sábado, 26 de dezembro de 2015

A VÉSPERA

A VÉSPERA

EXTERIOR. NOITE. PRAIA DE PONTA VERDE.

FOTÓGRAFA sai da praia, com uma câmera na mão, com olhar decepcionado. Encontra GUARDADOR sentado perto do carro.

FOTÓGRAFA: A lua hoje nem se amostrou, né?!
GUARDADOR: Oxe, daqui a pouco ela sai.
FOTÓGRAFA: Ela já deve ter saído... véspera de lua cheia, deve ter nascido por volta de 18 h. Como já são mais de 19 h, com certeza ela já tá no alto. Num é ela ali não?
GUARDADOR: Oxe, e num conhece mais a lua não é? Aquilo é uma nuvem.
FOTÓGRAFA: Num tá c'a'peste que seja uma nuvem! Desde quando nuvem tem brilho próprio?
GUARDADOR: Oxe, moça, num fale essa palavra não!
FOTÓGRAFA: Oxe, que palavra?
GUARDADOR: Essa!
FOTÓGRAFA: Qual? C'a'peste?
GUARDADOR: Isso! Uma palavra do diabo pra falar da lua, que é de Deus.
FOTÓGRAFA: Mas quem inventou essa palavra num foi o homem?
GUARDADOR: Foi!
FOTÓGRAFA: E depois que ele inventou, Deus desceu da terra pra dizer que era boa ou ruim? Não, né? Então foi o homem que inventou "c'a'peste" e foi o homem que disse que "c'a'peste" é ruim, e Deus não tem nada a ver com isso!
GUARDADOR: Mas Deus fala com os homens...
FOTÓGRAFA: E foi? Quando?
GUARDADOR: Deus falou com Abraão...
FOTÓGRAFA: E depois só falou com uns poucos, mandou seu filho falar por ele, e depois não falou com mais ninguém. Ficou de mal. Aqui no Brasil mesmo, ele só vem passar férias, não quer nem conversa. Eu mesma se fosse Deus também só vinha pra cá passar férias.
GUARDADOR: Oxe, moça, a senhora tem cada história...
FOTÓGRAFA: O povo inventa Natal, Papai Noel, Congresso Nacional, um bocado de lei louca aprovada na calada da noite, aumento pra seu próprio bolso e redução de direitos de todos os outros, e quem inventa histórias sou eu? Eu não sei nem o que vou publicar na crônica de domingo que prometi pra o Da Rosa!
GUARDADOR: Oxe, moça, como é?
FOTÓGRAFA: Agora olhe pra o céu. Aquela nuvem só é nuvem se Deus resolveu fazer uma rave no céu e colocou os holofotes ao contrário. Nuvem...! Esse povo vê é coisa... E depois quem inventa história sou eu... oxe...

sábado, 19 de dezembro de 2015

QUESTÃO DE PROVA

Marque um “V” quando o objeto do diálogo for algo virtual e “R” algo real:

 (  ) ECONOMIZE NO NATAL
Locutora de rádio: Antecipe suas compras de Natal no shopping Barra e economize!
Marcelo: Esse ano eu não participei de amigo secreto algum. Todo ano é a mesma coisa. Lá no pólo todo ano tinha no final do ano, eu sempre dava presente bom, e nunca ganhava o que prestasse. Ano passado eu dei um vinho caro e ganhei um cd de arrocha. No anterior dei um perfume e ganhei uma caixa de chocolate. Também com essa crise, a bolsa de valores em baixa, se o povo já me dava presente ruim, aí é que teria desculpa.
Mariana: Pra mim, Natal é dia 25. Só mais um dia no calendário. Assim eu economizo.

(   ) NOME SUJO
Ana Maria: Dra, o que eu faço? Minha vizinha pegou meu documento, falsificou minha identidade, fez cadastro na Natura e Avon e meu nome tá negativado por causa dessa desgraça. E ainda fica achando ruim, falando coisa, porque eu entrei na justiça. Peço a Deus que me perdoe, mas eu não tinha como limpar meu nome, e preciso de cartão pra comprar as coisas nesse fim de ano.
Marina: Quanto a seu nome, com o recesso e férias forenses, não deve ter decisão no processo em maio, no mínimo. Daqui até lá, comece a exercitar nem passar pela porta de banco, a viver sem cartão de crédito, a comprar tudo à vista. Vai ver como é libertador. Não tem um mal que não traga um bem. Sabe o cão? Pois foi ele que criou o banco. E quanto a sua vizinha, não é possível que você ainda esteja nessa de culpa. Daqui a pouco vai dizer que precisa fazer terapia pra lidar com isso. Tá bom de mudar esse seu lema de “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo” pra “amar a si mesma sobre todas as coisas e ao próximo se houver reciprocidade”. Sugiro começar a ligar o “LASQUE-SE” e será feliz!

(   ) MAYBE
Luciano: Essa música traz uma tranquilidade... Quem tá cantando?
Ana Maria: É Janes Joplin. Maybe. Morreu aos 27 anos, após se eternizar em melodias de puro sentimento condensado. Essa música é um pedido de perdão depois de ter feito algo que se arrependeu.
Luciano: Em falar em arrepender, você viu o caso do marido traído que se vingou expondo todos ao ridículo nas redes sociais?
Semírames Sé: Em meu livro de poesias recém lançado eu já defini: Traição: 1 – atitude comportamental negativa de um indivíduo que envolve outro indivíduo; pecado; 2 – necessidade básica do indivíduo que se envolve totalmente com a situação em que se encontra, independente da existência do outro.
Ana Maria: Cada um é um “maybe”: tem gente que prefere morrer depois de deixar uma música tranquila, outros, um vídeo ridículo. Cada um escolhe que personagem quer ser. Uns preferem viver na verdade, outros preferem deixar a alma em um canto e o corpo no outro. E aí terminam todos cantando: “Maybe, maybe, maybe...”

(  ) I LOVE MY DOG
Paulinho: Que lindo aquele cachorro!
Guiga: Amo cachorro. Na porta do meu quarto coloquei uma placa: I love my dog.
Paulinho: Qual a raça dele?
Guiga: Eu não tenho cachorro. Ri ri ri ri (risada curta, aguda e rápida). Eu moro um apartamento muito pequeno, seria uma malvadeza criar um cachorro lá. O coitado não iria ter vida alguma, só quando eu chegasse trabalho. Cachorro foi feito pra correr, viver livre, e não pra ficar numa gaiola. Mas tô trabalhando pra comprar uma casa e ter um cachorro.
Maria: Se você fosse promotor ou juiz na Bahia, com 15º salário em plena redução de direitos dos demais servidores públicos, seria mais fácil, mas com seu esse seu salário de professor...
Guiga: ah, mas eu tô trabalhando. Por enquanto, o salário já deu pra comprar a placa. Ri ri ri ri.

domingo, 13 de dezembro de 2015

FENOMENOLOGIA

(Faltou o circunflexo no "o")
No barco ancorado no Porto da Barra estava escrito seu nome:
D E U S P O R N O S

Fenomenologia da percepçao
(agora sobrou cedilha)

domingo, 6 de dezembro de 2015

INDEPENDENTEMENTE IMBECIL



“im.be.cil (cil) adj2g. s2g. 1. V. idiota (1). 2. V. tolo (1, 2 e 6). 3. Psiq. Diz-se de, ou aquele que sofre de imbelicilidade. [Pl.: -cis.]
Im.be.ci.li.da.de sf 1. Qualidade ou ato de imbecil. 2. Psiq. Retardo mental em que o nível intelectual do indivíduo não ultrapassa o de uma criança de 7 anos.”
(míni Aurélio, 7ª edição, Editora Positivo, 2008)

Às vezes me acho uma imbecil. Se imbecil é fazer imbecilidade, e imbecilidade é uma demonstração que o nível intelectual do indivíduo é de uma criança de menos de 7 anos, posso dizer que me comporto como uma criança perguntadeira de 5 anos, no máximo. Tudo quero saber o porquê. Percebo que a pessoa que responde “estou cumprindo ordens” geralmente também é um imbecil.
“As ideias dos homens são jogos de criança” (Heráclito).

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MENINA: Sr. Deputado, o senhor foi membro do movimento estudantil, estudou Direito, então me sinto confortável de conversar com o senhor, porque ao menos o senhor entende de lei. Por que, então, votar a favor de um projeto do líder do Executivo, se o senhor sabe que é inconstitucional?
DEPUTADO: Eu e mais alguns Deputados conversamos com o Governador, mas ele insiste no projeto de lei...
MENINA: Mas Deputado, eu pensei que na Constituição Federal estivesse escrito que os poderes são in-de-pen-den-tes entre si...
DEPUTADO (enfurecido): VOCÊ TEM QUE ENTENDER QUE EM POLÍTICA É DIFERENTE: NÓS SOMOS UM GRUPO, E O QUE O GRUPO DECIDE, A GENTE TEM QUE SEGUIR!
MENINA: (...)


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A MENINA ficou feliz por alguns instantes. Ela acreditou que ser sincera adianta alguma coisa.



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VIGILANTE DE UMA EMPRESA TERCEIRIZADA: Senhora, por favor, abra o banner que quero ver o conteúdo.
MENINA: Como assim? E dependendo do quê estiver escrito vocês vão barrar?
SENHORA: Deixe... é que ele pensa que estou junto aos professores protestando...
VIGILANTE DE UMA EMPRESA TERCEIRIZADA: Estou cumprindo ordens...
MENINA: Ordens de quem? Foi por que ato? Uma portaria? Uma circular? Cadê esse documento que pensa substituir a Constituição Federal, que garante a liberdade de manifestação de pensamento? Essa senhora tem o direito de entrar na chamada “Casa do Povo” com o banner dela e ela se responsabiliza pelo conteúdo! O que está vedado é o anonimato.
VIGILANTE DE UMA EMPRESA TERCEIRIZADA: Foi uma ordem verbal...
MENINA: Pois essa ordem verbal e nada é a mesma coisa. Você não tem autoridade alguma de decidir o que entra ou não. Isso é censura, e não podemos permitir.
SENHORA (após abrir o banner e mostrá-lo ao Vigilante de Uma Empresa Terceirizada): Satisfeito?
VIGILANTE DE UMA EMPRESA TERCEIRIZADA: (...)



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A MENINA ouviu que uns tais Deputados estão tocando o terror no país. Parece que querem destruir o povo brasileiro, envenenando sua comida com transgênicos e pesticidas ilegais no resto do mundo, e depois semeiam discórdia e julgamentos morais-religiosos para criar uma guerra interna entre os cidadãos envenenados. Ouviu também que só fazem permitir desmatamento e empresas cavarem nosso solo ou desviar nossos rios para espalhar desequilíbrio ecológico. A menina não entendia nada disso. Ensinaram na escola que representatividade (eita palavra grande!) era uma coisa assim ligada a “interesse do povo”. Ela dizia que criança quer é brincar como os índios, então os índios é que “representam”. Como uma criança, entendeu que tem dois grupinhos de um colégio maior que fica em Brasília (chamado Política Brasileira) e parece que estão brigando pela bola, pois um teve a bola a vida toda e, quando outros estavam jogando, resolveu tentar parar o jogo e pegar a bola de volta. Ficou sabendo que, quando os dois puxaram a bola, ela rasgou.
Imbecis.



quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

HABEAS CORPUS EM FAVOR DE GIULIETTA

EXMO(A) SR(A) DR(A) JUIZ(A)-LEITOR(A) DO SITE VIRTUALHADA


EU, MARTA DE OLIVEIRA TORRES, já qualificada nos presentes autos, venho, por intermédio dessa VIRTUALHADA, interpor um HABEAS CORPUS PREVENTIVO em favor de GIULIETTA, italiana, magrela dobrável e leve, sem placa, domiciliada em Salvador-BA, ainda não apresentada a esse Juízo, contra ato perpetrado pela autoridade pública ora informada, pelas razões de fato e direito que passa a expor:
Em 11 de julho do corrente ano, GIULIETTA saia pela 3ª vez naquela cidade para passear. GIULIETTA tinha medo de rodar pelas ruas de Salvador: nas duas únicas investidas nesses quase dois anos que residia na primeira capital do Brasil, em uma ela levou uma fechada de um ônibus e na outra levou uma queda. Nessa terceira, no entanto, GIULIETTA nem imaginava que voltaria para casa sem ver o sol se pôr.
Conforme narrado nos autos do inquérito nº 1432/2015, GIULIETTA estava passeando no Porto da Barra ao final da manhã daquele ensolarado dia de suposto inverno, deliciando-se com a brisa leve em seus pneus, apreciando as esparças nuvens que voavam sobre suas costas, quando, de repente, sofreu uma freada brusca. Em seguida, quando deu por si, estava sendo conduzida presa, acusada de crime de desacato.
Somente na presente data, 3/12/2015, GIULIETTA recebeu uma intimação deste Juízo e pediu para que eu lesse para ela, uma vez que ainda não aprendeu a falar português.
Expliquei para ela que assim afirma o inquérito: “que em nenhum momento o declarante agrediu a Sra. Marta, tendo ela sido conduzida no interior da viatura e sua bicicleta foi trazida no xadrez.”.

Em outra passagem, “ELA SE DIRIGIU A GUARNIÇAO COM VARIAS PALAVRAS DE BAIXO CALÃO,
COMO BABACA, IMBECIL, IDIOTA. E QUE ALEM DISSO ELA CALUNIOU OS POLICIAIS AFIRMANDO QUE OS MESMOS SÓ PRENDEM NEGROS, AO RECEBER VOZ DE PRISÃO SENTOU-SE NO BAR RECUSANDO A SER CONDUZIDA. RESISTINDO A PRISÃO O QUE FEZ AUMENTAR A TURBA, DIFICULTANDO A CONDUÇÃO DOS ELEMENTOS ATE A DELEGACIA, QUE APÓS INSISTIR A MESMA FOI CONDUZIDA NA GUARNIÇÃO DA POLICIA SEM A NECESSIDADE DE ALGEMAS, E NEM NO PRESIDIO DA VIATURA, VISTO QUE O PRESIDIO ESTAVA OCUPADO PELA BICICLETA DA MESMA.”

GIULIETTA soltou um ar por seus pneus quando a lembrei do episódio em que foi conduzida no presídio da viatura. Não ficou angustiada pela acusação. Ela me contou que lá na Itália os policiais não prendiam não. Eles matavam. Aí eu respondi que no Nordeste de Amaralina também.
Assustada, GIULIETTA suplicou-me para que a represente na audiência perante esse Juízo, informa que está com o pneu murcho e não está afim de sair de casa. Pediu para alegar em sua defesa: “A MINHA BUZINA ESTÁ QUEBRADA!”. Como, então, poderia ter falado qualquer verdade?

Por essa razão, Exmo(a) Sr(a) Juiz(a), peço encarecidamente, com fundamento na Constituição Federal, artigo quinto, inciso não sei lá das quantas, que APRECIE esse HABEAS CORPUS PREVENTIVO e conceda o TRANCAMENTO DA PRESENTE AÇÃO PENAL.

Atenciosamente,

Marta de Oliveira Torres
Escritora do blog Virtualhada