terça-feira, 26 de abril de 2016

O JULGAMENTO DOS VOTOS DO IMPEACHMENT



Considerando que cabe ao Supremo Tribunal Federal, segundo a suprema Constituição Federal, a guarda do ordenamento jurídico brasileiro positivado em um texto escrito, acreditamos que será avaliada a validade do ato administrativo do voto proferido pelos Deputados Federais na sessão de impeachment de Dilma Roussef em 17 de abril de 2016. Entendemos que a motivação, quando explicitada, passa a fazer parte do ato jurídico “voto”. Porque a vontade é o cerne jurídico do voto, se esta for contrária à Constituição Federal, seja em voto de  ‘sim’ como de ‘não’, até mesmo ‘abstenção’, o voto deve ser tido por nulo, inválido.
Para o presente trabalho, primeiro excluímos os votos proferidos pelos Deputados Federais que expressaram fundamentação conforme a Constituição Federal. Depois, excluímos os votos “implicitamente inconstitucionais”, ou seja, quando na manifestação de pensamento da vontade do voto foi dito algo que não correspondia ao objeto do processo, porém o motivo não seria inconstitucional quanto ao seu conteúdo. Temos que esses também são nulos, por faltar correspondência entre a vontade manifestada e o resultado pretendido.
Porém, há votos que foram “expressamente inconstitucionais”, porque revelam fundamentos contrários ao previsto na CF/88. Separamos os votos por categorias de acordo com a temática violada.
Importante lembrar que o art. 220 da Constituição Federal permite a livre manifestação do pensamento, “observado o disposto nesta Constituição”.
Passemos, pois, à análise dos votos:

ABSTENÇÕES POR FIDELIDADE PARTIDÁRIA

É constitucional se abster do voto? Sim. Pelos motivos nos votos aqui analisados, não. Poderia se considerar nulo/inválido um “voto de abstenção”? Sim, porque a abstenção é também um ato administrativo que produz efeitos.
Exclusivamente por orientação partidária, mas com um sentimento de tristeza, o meu voto é sim.” (Iracema Portella- PP-PI)
Todos os amigos da Bahia conhecem a nossa posição no Estado. Jamais poderia faltar coerência na minha posição neste momento. Não posso permitir que a traição marque a minha vida e a da minha família, mas não posso desrespeitar a orientação do meu partido, que fechou questão a favor do impeachment. Então, eu me abstenho desta votação”. (Cacá Leão –PP - BA).
“Sr. Presidente, infelizmente, não vou poder votar como o meu coração manda. Meu voto é para os meus eleitores da Bahia, em especial, para os de Paulo Afonso, minha cidade natal, e de Glória. Mas, como não posso descumprir uma determinação do meu Partido Progressista, eu me abstenho de votar”(Mário Negromonte Jr- PP- BA)
Sr. Presidente, sou um Deputado do Sertão de Pernambuco. Os sertanejos, diferente da região metropolitana, não comungam com a saída da crise através do impeachment. Mas também o povo pernambucano sabe que, em 2014, eu procurei outra opção para o Brasil, que foi acompanhar Marina Silva e Eduardo Campos. Hoje, em respeito ao meu partido, vou me abster do voto (Sebastião Oliveira –PR- PE. ).
Primeiro, deve-se considerar que a soberania popular é a “norma hipotética fundamental” do Estado, sendo dela decorrente todas as outras normas. O art. 17 da CF dispõe que a organização dos partidos políticos é livre, desde que resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana. Não pode a fidelidade partidária se sobrepor à liberdade de manifestação de pensamento num voto a favor da manutenção do voto popular, devendo ser declarados nulos os “votos de abstenção” desses parlamentares. Porque informaram claramente que seriam contra, mas que foram coagidos pela fidelidade partidária e, por isso, não votariam pelo “não” (já que seus partidos foram pelo “sim”), os votos acima não correspondem à vontade manifesta. Como os artigos 110 e 112 do Código Civil dizem que quando o destinatário tiver conhecimento da vontade do autor, subsiste a “intenção nelas consubstanciada”, não o sentido literal da linguagem, logo deve subsistir o voto como sendo NÃO.

A MOTIVAÇÃO DO VOTO NO RETROCESSO DE DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

“Neste dia de glória para o povo brasileiro, um nome entrará para a história nesta data pela forma como conduziu os trabalhos desta Casa: Parabéns, Presidente Eduardo Cunha! Perderam em 1964. Perderam agora em 2016. Pela família e pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve... Contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra a Folha de S.Paulo, pela memória do Cel. Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff! Pelo Exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas, por um Brasil acima de tudo, e por Deus acima de todos, o meu voto é sim!” (Jair Bolsonaro - PSC - RJ).   
É livre a manifestação de pensamento, inclusive comunista, em nosso país. O que não pode ser permitido é um pensamento que desrespeite a dignidade da pessoa humana, como o voto acima proferido (art. 1º, III, CF/88), uma vez que a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II) e o combate à tortura ou tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III) são pilares de nosso Estado Democrático de Direito. Utilizar a memória de um torturador da própria Presidenta no intuito de fazê-la reviver as dores sofridas com a atitude doentil de um militar não é um ato que encontra qualquer respaldo em nosso ordenamento jurídico, sendo no mínimo atentatório contra a moral e incitação ao que a CF/88 expressamente determina o combate.
“Sr. Presidente, em nome do meu filho Éder Mauro Filho, de 4 anos, e do Rogério, que, junto com a minha esposa, formamos uma família no Brasil, que tanto esses bandidos querem destruir com propostas de que criança troque de sexo e aprenda sexo nas escolas, com 6 anos de idade, em nome de todo o povo do Estado do Pará, eu voto sim” (Delegado Éder Mauro-PSD-PA).
 A educação é direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser assegurado à criança, ao adolescente e ao jovem o direito à liberdade, ao respeito, além  de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Assim, além de não ser objeto do impeachment o modo de exercer a educação sexual nas escolas, o valor apresentado viola o art. 205 e art. 227,  da CF.

A JUSTIFICATIVA DO VOTO POR REPRESENTAR GRUPAMENTOS SOCIAIS QUE NÃO ENCONTRAM PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL

“Sr. Presidente, meu querido Brasil, pela minha família; pelos que me fizeram chegar até aqui; pelos médicos do Brasil, para que sejam respeitados pelo próximo governo; pelos maçons do Brasil e pelo bem do povo brasileiro, eu voto sim, Sr. Presidente” (Hiran Gonçalves, PP, RR).
 “Sr. Presidente, em respeito ao suor e à mão calejada dos meus fumicultores e dos trabalhadores da indústria fumageira do meu Estado, Rio Grande do Sul, eu voto sim. Feliz aniversário, Ana, minha neta!” (Sérgio Moraes –PTB - RS).
“Pela minha filha Manuela que vai nascer, pela minha sobrinha Helena, pelo futuro de todas as crianças e jovens do nosso País, por todos os corretores de seguros do Brasil, em especial por todo o povo goiano, eu voto sim! Viva o Brasil!” (Lucas Vergilio - SD – GO).
“Sr. Presidente, em homenagem ao PPS, que neste processo todo foi altivo, firme e decidido; em homenagem ao grande brasileiro, Presidente nacional, Deputado Roberto Freire; em homenagem ao setor ativo, inovador e gerador de renda, que é o setor agropecuário; e para que venha um governo de reconstrução nacional e que o Brasil vença hoje, voto sim, Sr. Presidente!” (Arnaldo Jardim - PPS - SP)
“Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, eu voto aqui hoje a favor das nossas crianças, da nossa juventude, das nossas famílias, da minha Paraíso, do meu sul de Minas. Voto a favor do agricultor e do café, voto a favor dos mineiros e do Brasil. Mas voto também a favor da Constituição. Voto sim ao impeachment da Presidente Dilma Rousseff!” (Carlos Melles – DEM - MG).
“Por você, João Marcos, por você, Felipe, meus queridos netos, esperando um Brasil melhor, por você, Marília, por você, mamãe, pela família uberabense, o meu voto é sim. Pela Frente Parlamentar da Agropecuária, que representa a produção e o emprego neste País, pelo Brasil, por Minas Gerais e pela querida Uberaba e região, o meu voto, Presidente, é sim, com muita responsabilidade” (Marcos Montes – PSD - MG).
O art. 3º, III, da CF, diz que é objetivo fundamental erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. A Constituição Federal determina a valorização da pequena propriedade rural (art. 5º, XXVI). Os únicos grupamentos que possuem previsão de proteção especial pelo nosso ordenamento jurídico são os índios (art. 231 a 232 da CF) e quilombolas (art. 68 e art. 215, §5º). Os maçons, os donos das indústrias de tabaco, os corretores de seguros do Brasil, os latifundiários de café e os mineradores (estes responsáveis pelo maior desastre ambiental do mundo ocorrido no Brasil, ressalte-se) não encontram respaldo constitucional a ponto de servir de fundamento para retirar uma Presidenta eleita pelo voto popular.

DO DESRESPEITO AO ESTADO FEDERATIVO E SEPARAÇÃO DE PODERES

“Sr. Presidente, não existe nada mais democrático do que o que estamos fazendo aqui. Eu, pela segunda vez, estou votando o impeachment de um Presidente, e a Presidente Dilma Rousseff vai receber o impeachment desta Casa porque é incompetente administrativamente e porque não tem relação política com o Congresso Nacional. Nós precisamos recuperar o Brasil, e eu tenho certeza de que com o Michel Temer vamos fazer isso. O meu voto é sim” (Beto Mansur- PRB- SP).
 “Sr. Presidente, eu disse no meu relatório que o povo do meu Estado de Goiás, que o povo brasileiro, que a juventude brasileira merece uma nova chance. Esta é a nova chance! E peço ao povo brasileiro que, através de seu trabalho, respeite, a partir de agora, um Parlamento que sempre defendeu o povo, que é a Câmara dos Deputados da República Federativa do Brasil. Um abraço! Meu voto é sim” (Jovair Arantes-PTB-GO)
Ambos os votos acima são uma violação ao sistema presidencialista, que foi escolhido pelo constituinte originário e referendado pelo plebiscito de 1993 (art. 2º da CF/88, art. 2º, ADCT). Além de se tratar de uma mera opinião (incompetente é adjetivo, e, portanto, não é conduta e, por isso, não pode ser um crime de responsabilidade), dizer que a Presidenta“não tem relação política com o Congresso Nacional” não é também razão para afastamento, afinal quem tem que gostar do Presidente é o eleitor, e manifestar sua vontade pelos meios constitucionais, cabendo aos políticos do país respeitarem a “harmonia e separação dos poderes” e utilizaresm os mecanismos de freios e contrapesos nos limites prescritos na própria Constituição.
 “Sr. Presidente, quero pedir desculpas ao meu querido amigo e grande Governador Flávio Dino, pois eu não posso passar por cima da cassação estranhíssima e injusta do Governador Jackson Lago, a quem presto homenagem neste momento. Não posso passar por cima das perseguições e injustiças contra mim. Não posso passar por cima do bloqueio do Governo Federal ao meu Governo. Assim, Governador, a quem admiro e respeito, desculpe, mas o meu voto é sim” (José Reinaldo- PSB- MA).
Além de ferir o critério da impessoalidade (art. 37, CF/88), é escancaradamente inconstitucional o voto acima porque afirma que o fundamento é uma vontade de se imiscuir do cumprimento de atos administrativos revestidos de presunção de legalidade (art. 5º, II, CF/88).

DA VIOLAÇÃO AO VOTO DIRETO, AO REFERENDO POPULAR E AO PLEBISCITO

 “Pelo Brasil; pela cidade de Ituporanga, que me adotou; por Nova Trento, onde eu nasci; por toda Santa Catarina; pela mudança do Estatuto do Desarmamento; pelos nossos agricultores e pelo fim da corrupção no Brasil, eu voto sim” (Rogério Peninha Mendonça-PMDB-SC).
“Pelo povo de São Paulo nas ruas, com o espírito dos revolucionários de 1932; em respeito aos 59 milhões de votos contra o Estatuto do Desarmamento, em 2005; pelos militares de 1964, hoje e sempre; pelas polícias e, em nome de Deus e da família brasileira, é sim. E Lula e Dilma na cadeia” (Eduardo Bolsonaro-PSC-SP).
A soberania popular foi desrespeitada, pois o Estatuto do Desarmamento foi referendado pelo povo brasileiro em 23 de outubro de 2005, além de não ser objeto do procedimento de impeachment. Assim, viola art. 1º, I, e art. 14, I, da CF.
 “Por novas eleições, porque trocar seis por meia dúzia não resolve, eu me abstenho(Vinicius Gurgel - PR – AP)
 “Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, povo brasileiro, defendo eleições gerais para a renovação da política do Brasil. De preferência, que nossa população mande de volta para casa todas — sem exceção — essas velhas raposas que estão aí. Voto sim ao impeachment”( Marcelo Belinati - PP - PR).
“Pela Constituição brasileira, contra a corrupção do meu País e também respeitando a diminuição das desigualdades sociais, querendo uma eleição nova para este Brasil, eu tenho que me abster, porque não posso acreditar nem em uma chapa nem na outra. Eu me abstenho” (Gorete Pereira – PR – CE).
Considerando que não há fundamentos constitucionais para a realização de novas eleições, E NÃO ESTAVAM VOTANDO EM CHAPAS, MAS NO AFASTAMENTO DE UMA PRESIDENTA POR SUPOSTO CRIME DE RESPONSABILIDADE, os votos deveriam ser anulados, por ferir o art. 14, caput, da CF

PELA VIOLAÇÃO À LIBERDADE DE CRIAÇÃO E MANUTENÇÃO PARTIDÁRIAS
“Sr. Presidente, como Delegado da Polícia Federal, meu voto vai pelo fim da facção criminosa lulopetista, fim da pelegagem da CUT, fim da CUT e seus marginais. Viva a Lava-Jato, a República de Curitiba! E a minha bandeira nunca será vermelha! Sim, Presidente!”(Fernando Francischini-SD-PR).
O que mais chama a atenção desse voto é a ofensa ao princípio federativo (art. 1º, caput). Também vai de encontro ao art. 8º, que garante a liberdade sindical.
“Por São Paulo, pelo fim dessa quadrilha que assaltou o País, pelo meu pai, que tanto sofreu na mão do PT, por mais dignidade às pessoas com deficiência, pelo meu povo brasileiro, eu voto sim” (Mara Gabrilli-PSDB-SP-Sim).
“Sr. Presidente, também em nome dos Deputados Edmar Arruda e Valdir Rossoni, pelo povo que foi às ruas do Brasil de verde e amarelo, por um Brasil livre do PT, pelo Paraná, pela República de Curitiba, eu voto sim” (Paulo Martins - PSDB - PR).
Esse voto escancaradamente fere os art. 1º e art. 60, §4º, I, e o art. 17, todos da CF/88, por violar a liberdade de fusão, incorporação e extinção dos partidos políticos, lembrando que a extinção compulsória é possível desde que viole os preceitos previstos nos incisos do próprio artigo constitucional, após o devido processo legal.
“Pelos trabalhadores do Brasil, pelos aposentados, contra os 10 milhões de pessoas que perderam emprego no Governo Dilma, do PT, pelo crescimento do Brasil, por mais emprego e contra a boquinha do PT, pelo fim da boquinha do PT e do PCdoB, eu voto sim, Sr. Presidente” (Paulo Pereira da Silva - SD - SP ).
Cabe a este os mesmos argumentos acima, além da pergunta: o que o PcdoB tem com o impeachtment? Não é o PT o partido da Presidenta? O mesmo raciocínio se aplica aos seguintes votos:
“Contra a ladroeira, contra a imposição desse partido de esquerda, que quer transformar este Brasil numa ditadura de esquerda, o meu voto é "sim". Pelo impeachment, pelo Sérgio Moro, pelos evangélicos, pelo meu Brasil, pela minha família, voto sim.” (Takayama - PSC - PR)
“Com a ajuda de Deus, pela minha família, pelo povo brasileiro, pelos evangélicos da Nação toda, pelos meninos do MBL, pelo Vem Pra Rua Brasil — dizendo que o Olavo tem razão, Sr. Presidente, dizendo tchau para essa querida e para o PT, Partido das Trevas —, eu voto sim ao impeachment, Sr. Presidente!” (Pastor Marcos Feliciano PSC –SP).

DO ATENTADO À MORAL, À SERIEDADE E FORMA DO ATO, E DO SEXISMO

Resta claro que, num ato formal de votação em um Congresso Nacional, incluir na sua manifestação brincadeiras jocosas à figura feminina de uma Presidenta da República eleita pelo voto popular é algo que ultrapassa o mau gosto para entrar na esfera da inconstitucionalidade, mesmo considerando a liberdade de manifestação de pensamento dos Deputados, afinal, ali não eram meros debates, mas um ato de votação.
Seguem, pois, os votos que afrontam o art. 1º, II e III, art. 2º, art. 3º, IV, art. 5º, X, da CF/88:
“Sr. Presidente, na minha curta estrada da política, é a segunda vez que eu deparo com uma situação dessas. É a segunda vez que tenho que votar contra um gestor que cometeu improbidade administrativa. Como na primeira vez, eu voto pelo meu Mato Grosso do Sul. Pela juventude do meu Brasil, eu voto sim. Tchau, querida!” (Elizeu Dionizio, PSDB, MS)
“Sr. Presidente, eu saúdo o Brasil e os brasileiros. Eu saúdo o meu Estado de São Paulo e a minha querida Zona Sul com o voto sim, pelo impedimento da Presidente Dilma Vana Rousseff. Tchau, querida!” (Alexandre Leite - DEM - SP).
“Fui dentro do covil dos bandidos, na faixa da posse do Lula, para safá-lo das mãos do Juiz Moro, dizer o que estava entalado na garganta de milhões e milhões de brasileiros! E agora eu vou repetir: Dilma, você é uma vergonha, vergonha, vergonha! (Major Olímpio - SD - SP)
“Presidenta Dilma, V.Exa. está sentindo o que 10 milhões de brasileiros sentiram quando receberam o aviso prévio de perda dos seus empregos. V.Exa. também está perdendo o seu emprego. Tchau, querida, não precisa voltar! Eu voto sim” (Cabo Sabino - PR - CE).
“Sr. Presidente, em homenagem à minha querida Alegre, na Região do Caparaó, aos 3,5 milhões de capixabas em 78 Municípios, às mais de 50 mil pessoas do movimento Vem Pra Rua que estão na Praça do Papa, e para que nossa ex-Presidenta Dilma tenha férias eternas, eu digo sim, Sr. Presidente.” (Carlos Manato - SD - ES)
“Sr. Presidente, chega de roubalheira no Brasil! Chega de safadeza! Chega de tanta corrupção! Lugar de bandido é na cadeia, não é no Palácio do Governo. Por isso, Sr. Presidente, eu voto sim. Eu voto sim porque não há golpe, há impeachment! Presidente, tchau, querida!” (Laudivio Carvalho - SD - MG)

DOS VOTOS COM FUNDAMENTOS RELIGIOSOS OU FAMILIARES

Aqui estão os que ilustraram seus votos com figuras religiosas ou pessoas queridas, para “deixar registrados seus nomes na história”. Consideramos que a simples menção a Deus e à família não invalidaria o ato, desde que não os fossem ditos como fundamento (“primeiro agradeço a Deus” é diferente de “pela nação evangélica”, ou “pela minha família”, já que essa é a justificativa, enquanto aquela é simples menção). No entanto, ao informarem estar agindo em nome de sua própria família ou de seus parceiros religiosos, os Deputados Federais desrespeitam a igualdade de liberdade religiosa, já que o Estado deve ser neutro, não podendo figurar “Deus” como fundamento de qualquer ato administrativo, sob pena de ser nulo. Os fundamentos do cristianismo não podem servir de fundamento aos atos públicos, porque estes, impessoais, devem respeitar os fundamentos de todas as religiões (art. 37 e art. 5º, VI, da CF).
Seguem os nomes dos Deputados Federais que se utilizaram desse fundamento para seu voto. Não transcreveremos todos na íntegra porque essas pessoas já foram desnecessariamente mencionadas em demasia.
Importante perceber que também votos “não” estão incluídos, quais sejam: Andres Sanchez          PT       SP e Odorico Monteiro          PROS  CE. O que serve para um, serve para todos.
Seguem nomes dos Deputados que manifestaram o “sim” contaminados pela eiva da ilegalidade por ferir a impessoalidade, igualdade e laicidade do Estado brasileiro:
Ronaldo Nogueira      PTB     RS. Josué Bengston   PTB     PA. Toninho Wandscheer            PROS  PR. Carlos Marun      PMDB MS. Júlia Marinho     PSC     PA. Nilson Pinto   PSDB  PA. Ricardo Barros    PP       PR. Wladimir Costa   SD       PA. Diego Garcia PHS     PR. Nelson Meurer    PP       PR. Ricardo Barros    PP       PR. Sandro Alex    PSD     PR. Geraldo Resende PSDB  MS. Tereza Cristina   PSB     MS. Arthur Virgílio Bisneto         PSDB  AM. Átila Lins           PSD     AM. Conceição Sampaio            PP       AM. Silas Câmara     PRB    AM. Lucio Mosquini PMDB RO. Nilton Capixaba        PTB     RO. Célio Silveira     PSDB  GO. Daniel Vilela      PMDB GO. Delegado Waldir        PR       GO. Fábio Souza        PSDB  GO. Fábio Souza        PSDB            GO. Alexandre Serfiotis        PMDB RJ. Arolde de Oliveira           PSC     RJ. Aureo  SD       RJ.  Cabo Daciolo      PTdoB RJ. Cristiane Brasil    PTB     RJ. Ezequiel Teixeira          PTN    RJ. Fernando Jordão  PMDB RJ. Francisco Floriano          DEM            RJ. Roberto Sales       PRB    RJ. Simão Sessim      PP       RJ. Soraya Santos            PMDB RJ. Sóstenes Cavalcante        DEM   RJ. Evair de Melo      PV       ES.  Marcus Vicente          PP       ES.  Heráclito Fortes PSB     PI. Antonio Imbassahy            PSDB  BA. Jerônimo Goergen          PP. José Otávio Germano      PP       RS. Sérgio Moraes            PTB     RS. Geovania de Sá   PSDB  SC. João Rodrigues    PSD            SC. Jorge Boeira        PP       SC. Jorginho Mello    PR       SC. Marco Tebaldi            PSDB  SC. Delegado Éder Mauro     PSD     PA. Hélio Leite          DEM   PA. Joaquim Passarinho   PSD     PA. Lucas Vergilio    SD       GO. Roberto Balestra PP            GO. Thiago Peixoto   PSD     GO. Izalci       PSDB  DF. Laerte Bessa        PR            DF. Ronaldo Fonseca PROS  DF. Flaviano Melo     PMDB AC. Jéssica Sales            PMDB AC. Rocha      PSDB  AC. Carlos Henrique Gaguim           PTN    TO. Professora Dorinha Seabra Rezende DEM   TO. Nilson Leitão      PSDB  MT. Alex Manente         PPS     SP. Bruna Furlan        PSDB  SP. Duarte Nogueira  PSDB. Capitão Augusto        PR       SP. Carlos Sampaio   PSDB  SP. Celso Russomano -PRB – SP. Dr. Sinval Malheiros    PTN    SP. Duarte Nogueira  PSDB  SP. Edinho Araújo            PMDB SP. . Eli Corrêa Filho DEM   SP. Flavinho   PSB     SP. Floriano Pesaro            PSDB  SP. Gilberto Nascimento       PSC     SP. Goulart     PSD     SP. Herculano Passos PSD     SP. Jefferson Campos            PSD     SP. Jorge Tadeu Mudalen      DEM            SP. Keiko Ota PSB     SP. Herculano Passos PSD     SP. Jorge Tadeu Mudalen            DEM   SP. Luiz Lauro Filho PSB     SP. Mara Gabrilli       PSDB  SP. Marcelo Squassoni       PRB    SP. Marcio Alvino     PR.      Renata Abreu PTN    SP. Ricardo Izar      PP       SP       Sim. Ricardo Tripoli  PSDB  SP. Roberto Alves      PRB    SP. Rodrigo Garcia          DEM   SP. Vinicius Carvalho           PRB    SP. Juscelino Filho            DEM   MA. Victor Mendes   PSD     MA. Ronaldo Martins           PRB    CE. Rodrigo Martins        PSB     PI. Antônio Jácome    PTN    RN. Beto Rosado       PP            RN. Rogério Marinho            PSDB  RN. Dâmina Pereira   PSL     MG. Diego Andrade          PSD     MG. Dimas Fabiano  PP       MG. Eros Biondini    PROS  MG. Fábio Ramalho           PMDB MG. Franklin Lima    PP       MG. Jaime Martins    PSD            MG. Leonardo Quintão         PMDB MG. Luiz Fernando Faria      PP            MG.Marcelo Álvaro Antônio            PR       MG. Marcos Montes  PSD     MG. Misael Varella           DEM   MG. Raquel Muniz    PSD     MG. Renzo Braz        PP            MG. Rodrigo de Castro         PSDB  MG. Stefano Aguiar  PSD     MG. Tenente Lúcio  PSB     MG. Zé Silva  SD       MG. Elmar Nascimento        DEM   BA. José Carlos Aleluia            DEM   BA. Anderson Ferreira          PR       PE. Eduardo da Fonte            PP. Pastor Eurico       PHS     PE. André Moura       PSC     SE. Arthur Lira            PP       AL. Cícero Almeida  PMDB AL. Marx Beltrão      PMDB AL. Pedro Vilela  PSDB  AL.

CONCLUSÃO
 “Pela supremacia da Constituição Federal, pela Lei da Ação Popular, pelo Código Civil, pelas minhas professoras de Direito Constitucional e Administrativo para quem mando um abraço, sim, senhor Presidente do STF, meu voto é pelo sim, pela nulidade de alguns dos votos proferidos na votação do impeachment” (voto proferido pela Ministra Maria Utópica do Brasil na sonhada de sessão de julgamento no STF para analisar os votos proferidos na sessão de julgamento do impeachment. Seria o voto de uma Ministra que, por ser da Corte que “guarda a Constituição Federal”, seria legítima para julgar o voto de um(a) Deputado(a), que é legítimo(a) para julgar o voto de 51,64% da população brasileira. Assim diz o nosso ordenamento jurídico).
“Heráclito diz que as ideias dos homens são jogos de criança”[1]. Assim, se o Congresso Nacional fosse uma sala de aula de uma escola infantil, teríamos que a Professora colocou no quadro a seguinte norma: “podem brincar à vontade, desde que não pisem nesse livro que colocarei aqui no meio”. Saindo da sala, deixou as crianças à vontade, mas, quando voltou, percebeu que algumas delas estavam pisando, outras sambando em cima, algumas rasgando páginas daquele livro. O que deveria fazer a Professora? Colocaria os que estavam brincando errado de castigo, para aprenderem a respeitar a única norma dada e para deixar os demais brincarem da forma correta? Não é isso que o bom senso indicaria?

Fonte dos votos:
http://www.camara.leg.br/internet/sitaqweb/DiscursoDireto.asp?nuSessao=091.2.55.O&listaOrdem=2&btnPesq=Pesquisar





[1] LEÃO, Emmanuel Carneiro Leão. Os pensadores originários: Anaximandro, Parmênides, Heráclito.  Petrópolis: Editora Vozes, 1990, p. 77. 

terça-feira, 19 de abril de 2016

A TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES E A NULIDADE DOS VOTOS DO IMPEACHMENT




Primeira pergunta: um voto proferido por um Deputado Federal, que é um servidor público (agente político), deve conter os elementos do ato administrativo? - Lembrando que estes estão previstos no art. 2º da Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular – LAP), que determina serem nulos os atos nos casos de a) incompetência; b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência dos motivos; e) desvio de finalidade.
Segunda pergunta: ao ser manifestada uma vontade real, esta deve ter sua validade analisada em um “ato administrativo-jurídico-político”, ou não se aplica aos atos dos servidores públicos do Legislativo a teoria da vinculação aos motivos determinantes?
Terceira pergunta: um "ato político" deve ser considerado "ato jurídico" ou um "ato-fato jurídico", ou seja: a validade da vontade humana é relevante?
Inicialmente, sobre a teoria da vinculação aos motivos determinantes, esclarece Celso Antônio Bandeira de Mello:
"De acordo com esta teoria, os motivos que determinaram a vontade do agente, isto é, os fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato. Sendo assim, a invocação dos “motivos de fato” falso, inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando, conforme já se disse, a lei não haja estabelecido, antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática do ato. Uma vez enunciados pelo agente os motivos em que se calçou, ainda quando a lei não haja expressamente imposto essa obrigação de enunciá-los, o ato será válido se estes realmente ocorreram e o justificavam." (MELLO, 2009, p. 398).

Assim, mesmo quando não seja requisito do ato administrativo sua motivação, quando esta for publicizada, a análise de validade do ato administrativo perpassa pela verificação de sua compatibilidade com os requisitos legais, dentre estes, a congruência entre a vontade manifesta e o resultado do ato. Vejamos:

ADMINISTRATIVO. ATO ADMINISTRATIVO. VINCULAÇÃO AOS MOTIVOS DETERMINANTES. INCONGRUÊNCIA. ANÁLISE PELO JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. DANO MORAL. SÚMULA 7/STJ.
1. Os atos discricionários da Administração Pública estão sujeitos ao controle pelo Judiciário quanto à legalidade formal e substancial, cabendo observar que os motivos embasadores dos atos administrativos vinculam a Administração, conferindo-lhes legitimidade e validade.
2. "Consoante a teoria dos motivos determinantes, o administrador vincula-se aos motivos elencados para a prática do ato administrativo. Nesse contexto, há vício de legalidade não apenas quando inexistentes ou inverídicos os motivos suscitados pela administração, mas também quando verificada a falta de congruência entre as razões explicitadas no ato e o resultado nele contido" (MS 15.290/DF, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 26.10.2011, DJe 14.11.2011).

Embora os Deputados Federais não precisassem fundamentar seu voto na plenária da votação para o Impeachment da Presidenta Dilma Rousseff ocorrido no dia 17 de abril de 2018, eles o fizeram. Numa votação que comportava somente o “sim” ou o “não”, todos os Deputados Federais (exceto os sete que se abstiveram) revelaram o motivo de seu voto. Mesmo que não conste no relatório do então Presidente da Câmara dos Deputados, o fato é que foi televisionado e visto simultaneamente em todo o mundo. Maior publicidade ao ato público de votação não poderia haver.
Voltemos à primeira pergunta. Não há previsão constitucional ou legal, ainda que exemplificativa, que diferencie o ato administrativo estrito do ato político. Há inclusive várias teorias criadas na época da Ditadura Militar no Brasil, fazendo inúmeras classificações para criar privilégios (além dos já previstos constitucionalmente) aos “agentes políticos”, porém todos os agentes políticos, seja os investidos em um cargo público decorrente de escolha por voto popular, ou por concurso público, ou ainda aqueles que ocupam uma função pública decorrente das tradicionais e constitucionais indicações políticas,  todos devem respeito à supremacia do interesse público.
Mas o que é interesse público? É fácil responder, só procurar nos primeiros artigos da Constituição Federal. Somente para lembrar os que foram escancaradamente violados, temos: a soberania popular (art. 1º, I), os valores sociais do trabalho (art. 1º, II), a vedação ao preconceito e qualquer forma de discriminação (art. 3º, IV), a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II), o combate à tortura ou tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III), a função social da propriedade (art. 5º, XXIII ), a valorização da pequena propriedade rural (art. 5º, XXVI). Vamos ficar pelos primeiros em ordem de inscrição na Constituição, porque senão cansaria enumerar todos os artigos violados. Talvez analisando voto a voto para identificar todos com mais clareza.
Desta forma, utilizando a "teoria dos motivos determinantes" do ato administrativo, os votos que não foram fundamentados em razões previstas na Constituição Federal devem ser anulados, afinal não foi positivada a defesa do interesse da própria família em detrimento dos interesses do povo brasileiro, dentre estes, a soberania do voto popular. O ato de um agente político é um ato administrativo e, como tal, deve ter preenchido todos os requisitos legais, dentre eles o de atender ao interesse público, o que restou nítido inexistir na motivação declarada pela maioria dos Deputados a favor do impeachment.
Uns dirão que não cabe revisão jurídica dos atos dos membros do Legislativo, porque seriam considerados “atos políticos” e não “atos administrativos ‘strictu senso’”. Ainda assim, se pergunta: seriam ao menos considerados atos jurídicos, e, como tais, caberia ao Supremo Tribunal Federal analisar a coerência com a Constituição Federal?
Seguindo a teoria do fato jurídico de Pontes de Miranda, o voto de cada um dos Deputados Federais, por ter entrado no mundo jurídico, é um fato jurídico, independente de sua licitude. De acordo com sua classificação, os atos que decorrem de uma ação humana ou são tidos como atos jurídicos, quando o fato decorrer de uma vontade, ou atos-fatos, quando a vontade não estiver presente.
“Se esvaziamos os atos humanos de vontade (= se dela abstraímos = se a pomos entre parênteses), se não a levamos em conta para a juridicização, o actus é um factum, e como tal é que entra no mundo jurídico. É de tratar-se, então, como aqueles fatos que, de ordinário, ou por sua natureza, nada têm com a vontade do homem (MIRANDA, 1999, p. 422).
 Assim, conclui-se que, como a vontade humana é inerente ao voto, o voto de um membro do Congresso Nacional é um ato jurídico. Em qualquer ato jurídico, a vontade deve estar em sintonia com a Constituição Federal, sob pena de não atender ao requisito da validade. Pode existir e até produzir efeitos, mas é ilícito, contrário ao Direito. Há regras do jogo que precisam ser jogadas, até porque qual seria a legitimidade de um ato praticado por um servidor público, agente político ou não, que não tenha como fundamento de validade o interesse público?
Resta saber se os representantes do legislativo têm carta branca para fazer o que quiserem sob o argumento de ser um ato político. É como se estivesem eternamente em um poder constituinte originário. O mandato seria uma procuração com poderes especiais ilimitados?
Continuamos criando teorias jurídicas para negar a realidade. Contra fatos, só há argumentos. Afinal, não é porque não consta do relatório as declarações prestadas pelos parlamentares que estas não existiram e todos viram e ouviram a fundamentação dos votos dos deputados. E se o voto de um deputado não é um ato que possa ser analisado juridicamente porque é um ato político, não vislumbramos qualquer serventia a ser dada aos "freios e contrapesos" inerentes à separação de poderes, ensinados nos livros de Direito Constitucional.
A fisionomia de indiferença de alguns Deputados diante daquele circo armado lembrou o cinismo brilhante do ator e diretor José Mojica Marins ao interpretar Zé do Caixão em "Encarnação do Demônio". Seus filmes foram proibidos na época da ditadura militar no Brasil, possivelmente porque revela a naturalidade com que alguns homens torturam e matam por prazer. Os que o fizeram "em nome da lei", e, pior, "lei de Deus" na época da ditadura, acabaram sendo louvados em um voto que teve até fogo de artifício para comemorar. É para ter medo de viver nesse país se nada for feito contra esse posicionamento público de um servidor público cujo salário é pago com dinheiro público. A realidade é muito pior que a ficção. A propósito, o personagem de Zé do Caixão mostra como era uma sessão de tortura "a la ditadura brasileira", para quem tiver curiosidade e quiser entender a gravidade de ter um ícone tenebroso da ditadura militar sendo reverenciado por políticos que se dizem representantes do povo. "Nem os mortos, nem a própria loucura me impedirão de gerar meu filho", assim concluiu Zé do Caixão naquele filme –  possivelmente a mesma fala do torturador ao se ver sendo louvado no voto de um dos mais sórdidos e macabros membros do Congresso Nacional.
Está na hora de começarmos as petições jurídicas contra essa cena grotesca e brincadeira de mau gosto comandada por um sádico como presidente. Embora eu não acredite que o Direito tenha alguma valia para defesa de direitos humanos nesse país, vale sempre à pena argumentar, só pra não deixar passar sem luta.

REFERÊNCIAS:
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 


MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo II. Campinas: Bookseller, 1999.

IMPEACHMENT, OS JUÍZES DO “SUPERSTAR”, O CÓDIGO CIVIL, OS NORDESTINOS E A TEORIA DO CAOS

Naquele domingo de abril, a Banda Fulô de Mandacaru deve ter ido dormir triste. Por um natural equívoco de quem não foi devidamente e anteriormente esclarecida (uma cantora poetiza e inteligente como Daniela Mercury não cometeria tal erro por mera distração), Daniela Mercury, a mais nova juíza do programa de olimpíada musical, votou “não”, quando queria votar “sim”. Naquele momento, a direção do programa não soube como agir. Se tivesse uma orientação jurídica de plantão, teria sido alertada de que, conforme os artigos 110 e 112 do Código Civil, quando o destinatário tiver conhecimento da vontade do autor (o que era nítido, diante da alegrNaquele domingo de abril, a Banda Fulô de Mandacaru deve ter ido dormir triste. Por um natural equívoco de quem não foi devidamente e anteriormente esclarecida (uma cantora poetiza e inteligente como Daniela Mercury não cometeria tal erro por mera distração), Daniela Mercury, a mais nova juíza do programa de olimpíada musical, votou “não”, quando queria votar “sim”. Naquele momento, a direção do programa não soube como agir. Se tivesse uma orientação jurídica de plantão, teria sido alertada de que, conforme os artigos 110 e 112 do Código Civil, quando o destinatário tiver conhecimento da vontade do autor (o que era nítido, diante da alegria de Daniela Mercury ao ouvi-los tocar), subsiste a “intenção nelas consubstanciada”, não o sentido literal da linguagem. No dia seguinte, felizmente, a emissora resolveu colocar a Banda de volta à competição, corrigindo seu erro.
O mais interessante dessa história toda foi a naturalidade com que o cantor da Banda nordestina recebeu a notícia, agradecendo a oportunidade, despedindo-se tranquilamente. Eu teria chorado na hora, e com uma voz engasgada gritaria: isso é injuuusto! Mas, ele não: agradeceu. Quase que dizendo em outras palavras: para quem é do “sertão das mulé séria, dos homi trabaiadô”, a dificuldade para vencer faz parte. Só que, como diz o saudoso Sr. Batista (cearense que foi trabalhar no Rio de Janeiro como garçom de um restaurante de frutos do mar no bairro da Ilha, voltou para o Ceará para arrumar uma mulher e casar, voltando junto com ela para o Rio, onde tiveram seu filho, que agora cursa Nutrição em uma faculdade, e todos têm saudade de lá do Ceará): “se os nordestinos voltassem para suas terras-natal, isso aqui fechava tudo. Os prédios não teriam porteiros, os restaurantes não teriam garçons.” Mas aquela Banda quer ser artista. “E pode?”, perguntam eles aos jurados, sabendo que, independentemente da resposta, eles irão tocar no São João de Caruaru, que nada tem a ver com a caricaturada Feira de São Cristóvão na Cidade Maravilhosa. Os integrantes da Banda são responsáveis por transmitir uma tradição e estão cumprindo sua missão.
Para que juízes, então? Para que sermos representados no Congresso Nacional por pessoas que não respeitam o avanço do conhecimento da humanidade? Será que no momento que esse texto for lido, terá acontecido um impeachment no Brasil? Será que os deputados-juízes trocarão seus votos, acidentalmente ou não? Que tradição jurídica está sendo valorizada?
Medo é uma criação da mente humana.
Teoria do caos.
 ia de Daniela Mercury ao ouvi-los tocar), subsiste a “intenção nelas consubstanciada”, não o sentido literal da linguagem. No dia seguinte, felizmente, a emissora resolveu colocar a Banda de volta à competição, corrigindo seu erro.
O mais interessante dessa história toda foi a naturalidade com que o cantor da Banda nordestina recebeu a notícia, agradecendo a oportunidade, despedindo-se tranquilamente. Eu teria chorado na hora, e com uma voz engasgada gritaria: isso é injuuusto! Mas, ele não: agradeceu. Quase que dizendo em outras palavras: para quem é do “sertão das mulé séria, dos homi trabaiadô”, a dificuldade para vencer faz parte. Só que, como diz o saudoso Sr. Batista (cearense que foi trabalhar no Rio de Janeiro como garçom de um restaurante de frutos do mar no bairro da Ilha, voltou para o Ceará para arrumar uma mulher e casar, voltando junto com ela para o Rio, onde tiveram seu filho, que agora cursa Nutrição em uma faculdade, e todos têm saudade de lá do Ceará): “se os nordestinos voltassem para suas terras-natal, isso aqui fechava tudo. Os prédios não teriam porteiros, os restaurantes não teriam garçons.” Mas aquela Banda quer ser artista. “E pode?”, perguntam eles aos jurados, sabendo que, independentemente da resposta, eles irão tocar no São João de Caruaru, que nada tem a ver com a caricaturada Feira de São Cristóvão na Cidade Maravilhosa. Os integrantes da Banda são responsáveis por transmitir uma tradição e estão cumprindo sua missão.
Para que juízes, então? Para que sermos representados no Congresso Nacional por pessoas que não respeitam o avanço do conhecimento da humanidade? Será que no momento que esse texto for lido, terá acontecido um impeachment no Brasil? Será que os deputados-juízes trocarão seus votos, acidentalmente ou não? Que tradição jurídica está sendo valorizada?
Medo é uma criação da mente humana.
Teoria do caos.


(publicado às 7 h do domingo, 17 de abril de 2016, no site: http://emporiododireito.com.br/teoria-do-caos/)

sexta-feira, 1 de abril de 2016

IMPEACHMENT E FUTEBOL: QUE TIME É TEU?


Fui dar entrevista sobre direitos do consumidor e o entrevistador, para “quebrar o gelo” e emendar a conversa com a matéria anterior sobre o campeonato estadual, perguntou: “Qual seu time? Bahia ou Vitória?”. “CRB”, respondi. “Sou de Alagoas”. Mas é mentira, não sou CRB. Foi só para desapontar o entrevistador. Gosto de futebol, mas não dos patrocinadores dos times. Os mesmos das campanhas políticas. Afinal, trabalho com direito do consumidor. Por esse mesmo motivo, não sou nem a favor nem contra o impeachment. Muito pelo contrário.
As pessoas acordam, tomam seu café ácido cheio de agrotóxico, comem pão feito de farinha de trigo indigesta, ovo de galinha de granja cheia de antibiótico e hormônio, açúcar cancerígeno derivado dos latifúndios escravocratas em Estados miseráveis, sal para aumentar um pouquinho ainda a pressão, queijo feito de leite de vaca mal tratada, alimentada com ração de cereais transgênicos e confinada em uma indústria de extração de leite e então continuam seu dia assistindo às notícias da televisão e lendo sobre política. Depois, já envenenadas, vem querer saber a opinião umas das outras: “impeachment, qual a cor de seu time?” Meu time acha que a Constituição Federal de 1988 é uma caixa de morangos vendida em um supermercado: os objetivos, princípios, direitos e garantias fundamentais ficam convidativamente destacados por cima, todavia, por dentro está cheia de morangos contaminados por pesticidas e já podres por baixo. Essa engrenagem de poder institui uma representatividade que não me representa. Não acredito nem em urna eletrônica, basta pensar um pouquinho: onde há urna eletrônica no mundo? Como está esse povo? Rico? Próspero? Feliz? O que comem essas pessoas?
E você, tem fome de que?
Essa semana uma advogada baiana, "correspondente de um grande escritório de advocacia paulista", disse que seu escritório tem acesso a documentos do sistema interno de bancos estaduais já fechados há anos, assim os consumidores teriam como comprovar seu direito às diferenças dos planos econômicos. Disse que o escritório comprou os dados de um ex-funcionário do banco, que, demitido, fez cópia do sistema. A pergunta é: ladrão que rouba ladrão ganha cem anos de perdão? Os dados sigilosos de milhares de consumidores nas mãos de escritórios de advocacia assim, de boa? Ela ainda pediu para que eu a encaminhasse os coitados dos consumidores assistidos pela Defensoria que, sem lenço nem documento, não conseguem comprovar os valores de suas cadernetas de poupança que tinham há 20 anos. A advogada só faltou me oferecer propina, aliás, propina não, apenas uma “gratificação pela colaboração em encaminhar clientes para ela”. Isso em sala de audiência, sorridente, na frente de juiz, servidora, estudante de Direito, achando que estava me contando uma vantagem. Algo muito natural nesse país. Era como se ela trabalhasse para um escritório de advocacia "esperto". País dos que dão um jeitinho.
Confesso que, quando a advogada saiu, eu e o juiz não sabíamos o que fazer. Ela realmente achava que não era nada demais o escritório dela ter acesso aos dados dos bancos. Isso "facilitava" a defesa de direitos dos consumidores. Para ela, os fins justificavam os meios. Se não for desse jeito, não há como o consumidor comprovar seu direito. Tudo difícil de entender nesse país.
O que me assustou foi a naturalidade. Se a pessoa tem uma visão utilitarista da vida, dá até para ter inveja de não ser desse escritório que ficará milionário com essas ações, já que mais ninguém tem acesso a esses documentos. Brasil é para espertos.
Isso é direito do consumidor. É sistema bancário, financeiro. E se fosse o sistema que controla o poder econômico do país inteiro? E se fosse a organização administrativa de todo um país continental como o Brasil? Quem tem a senha desse sistema?

Live and let die. Welcome to the jungle.