"EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A)
JUIZ (A) FEDERAL DA VARA FEDERAL DE DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DOCEARÁ.
“As ideias tomam conta, reagem, queimam gente em praça pública”. Oswald
de Andrade (1928).
ANTONIO JOSÉ DE SOUSA GOMES, brasileiro, solteiro, Advogado, residente e domiciliado em Sitio
Camará S/N, Itapajé/CE, inscrito na OAB/CE sob o nº 23.968, título de eleitor
nº062319840710, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com
fundamento no que dispõe o inciso LXXIII do art. 5º da Constituição Federal, da
Lei n° 4.717, de 29 de junho de 1965 e nos demais dispositivos legais atinentes
à matéria, ajuizar a presente
AÇÃO POPULAR, com pedido de medida liminar,
em face da CÂMARA DOS DEPUTADOS FEDERAIS, representada por seu Presidente EDUARDO
CONSENTINO DA CUNHA, brasileiro,Presidente da Câmara dos Deputados, com
endereço na Praça dos Três Poderes – Câmara dos Deputados, gabinete nº 510,
anexo IV, CEP 70160-900 – Brasília (DF), pelos fatos e fundamentos que passa a
alegar e expor:
I – PRELIMINARMENTE
DA CONDIÇÃO DE CIDADÃO DA PARTE AUTORA
Exige o art. 1º, § 3º, a prova da condição de cidadão, a qual se dará
mediante título de eleitor, em anexo.
DO FORO COMPETENTE
A determinação do juízo competente para o processamento da Ação Popular
encontra fundamento no artigo 5° da Lei Nº 4.717, 1965, o qual versa que a
competência para o julgamento da referida medida é determinada pela origem do
ato lesivo a ser anulado, ou seja, do juízo competente de primeiro grau.
Portanto, não é da competência originária do STF conhecer de ações populares,
ainda que o réu seja autoridade que tenha na Corte o seu foro por prerrogativa
de função para os processos previstos na Constituição, desta feita, embora a
impugnação se refira a ato praticado pelo Presidente da Câmara dos Deputados — o
juízo competente é o da Justiça Federal de primeira instância.
Ademais, a Constituição Federal de 1988 não inclui, na esfera da
competência originária da Suprema Corte, aliás, a orientação jurisprudencial
majoritária do Supremo Tribunal Federal, por falta de previsão específica do
rol taxativo do artigo 102 da Carta Magna define a Justiça Federal de primeira
instância par proceder o curso da Ação Popular.
Assim, tendo em vista que a presente ação se destina a impedir a prática
de ato contrário ao ordenamento jurídico pátrio por autoridade federal, a
competência será da Justiça Federal de primeira instância.
O STF possui precedente no caso de Ação Popular perante ato da
Presidência:
“AÇÃO POPULAR CONTRA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA,
AJUIZADA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ART. 102 DA MAGNA CARTA. INCOMPETÊNCIA.
AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO PEDIDO, NA FORMA DO §
1º DO ART. 21 DO RI/STF. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO COMPETENTE.
INAPLICABILIDADE DO § 2º DO ART. 113 DO CPC. Descabe a declinação da
competência, por não ser ambígua a matéria (MS 24.700 AgR, Relator para o
acórdão Ministro Marco Aurélio). De outra parte, esta egrégia Corte não pode se
transformar em órgão de orientação e consulta das partes, "resolvendo, em
caráter definitivo, irreversível, questão sobre a competência de um Juízo ou
Tribunal, sem que aquele ou este tenha tido oportunidade de admiti-la ou
rejeitá-la" (Embargos de Declaração na Petição 3.326, Relator Ministro
Celso de Mello). Agravo regimental desprovido” (Pet. nº 3422/DF-AgR, Tribunal
Pleno, Relator o Ministro Carlos Britto, DJ de 2/12/05).
“Não é da competência originária do STF conhecer de
ações populares, ainda que o réu seja autoridade que tenha na Corte o seu foro
por prerrogativa de função para os processos previstos na Constituição” (Pet.
nº 3152/PA-AgR, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de
20/8/04).
A competência para julgar ação popular contra ato
de qualquer autoridade, até mesmo do presidente da República, é,via de regra,
do juízo competente de primeiro grau. Precedentes. Julgado o feito na primeira
instância, se ficar configurado o impedimento de mais da metade dos
desembargadores para apreciar o recurso voluntário ou a remessa
obrigatória, ocorrerá a competência do STF, com base na letra n do
inciso I, segunda parte, do art. 102 da CF." (AO 859-QO, Rel. p/ o
ac. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 11-10-2001, Plenário, DJ de
1º-8-2003.)
Ante tais razões, resta claro que à Presidência da Câmara dos Deputados,
aplicam-se as mesmas regras, uma vez que os fundamentos são os mesmos.
II – DOS FATOS
Em 17/04/2016, a Câmara dos Deputados, em sessão presidida por EDUARDO
CONSENTINO DA CUNHA, votou o pedido de abertura do processo de impeachment em
face da Presidenta da República, Dilma Rousseff. O fundamento do pedido versa
sobre as chamadas “pedaladas fiscais” do governo em 2015, como é chamada a
prática de atrasar repasses a bancos públicos, a fim de cumprir as metas
parciais de previsão orçamentária.
Restou determinado que na votação deveria cada Deputado se manifestar em
10 segundos, pelo sim ou pelo não, no entanto, embora os Deputados Federais não
precisassem fundamentar seu voto na plenária da votação para o Impeachment da
Presidenta Dilma Rousseff ocorrido na data supra, eles o fizeram. “Numa votação
que comportava somente o “sim” ou o “não”, todos os Deputados Federais (exceto
os sete que se abstiveram) revelaram o motivo de seu voto. Mesmo que não conste
no relatório do então Presidente da Câmara dos Deputados, o fato é que foi
televisionado e visto simultaneamente em todo o mundo. Maior publicidade ao ato
público de votação não poderia haver.
Assim, sendo, o ato politico praticado pelos Deputados Federais, em
razão da inexistência de previsão constitucional ou legal, ainda que
exemplificativa, que diferencie o ato administrativo estrito do ato político
devem respeito à supremacia do interesse público, a titulo de exemplo podemos citar
a soberania popular (art. 1º, I), os valores sociais do trabalho (art. 1º, II),
a vedação ao preconceito e qualquer forma de discriminação (art. 3º, IV), a
prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II), o combate à tortura ou
tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III), a função social da
propriedade (art. 5º, XXIII ), a valorização da pequena propriedade rural (art.
5º, XXVI).
Desta forma, utilizando a “teoria dos motivos determinantes” do ato
administrativo, que determinaram a vontade do agente, isto é, os fatos que
serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato, os votos que não
foram fundamentados em razões previstas na Constituição Federal devem ser
anulados, afinal não foi positivada a defesa do interesse da própria família em
detrimento dos interesses do povo brasileiro, dentre estes, a soberania do voto
popular. O ato de um agente político é
um ato administrativo e, como tal, deve ter preenchido todos os requisitos
legais, dentre eles o de atender ao interesse público, o que restou nítido
inexistir na motivação declarada pela maioria dos Deputados a favor do
impeachment, conforme se depreende das noticias anexas”[1].
É
de conhecimento público, em razão de informações procedentes de órgãos
investigatórios e fartamente noticiadas pela imprensa nacional e internacional,
e órgãos oficiais, que o presidente da Câmara dos Deputados é réu, sob acusação
de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, por seu suposto envolvimento no
esquema de desvio da Petrobrás (operação denominada “Lava-Jato”), conforme
decidido pelo Supremo Tribunal Federal em 03 de março de 2016, em virtude de
denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República.
“Sobre a teoria da vinculação aos motivos determinantes, esclarece Celso
Antônio Bandeira de Mello:
De acordo com esta teoria, os motivos que
determinaram a vontade do agente, isto é, os fatos que serviram de suporte à
sua decisão, integram a validade do ato. Sendo assim, a invocação dos “motivos
de fato” falso, inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo
quando, conforme já se disse, a lei não haja estabelecido, antecipadamente, os
motivos que ensejariam a prática do ato. Uma vez enunciados pelo agente os
motivos em que se calçou, ainda quando a lei não haja expressamente imposto
essa obrigação de enunciá-los, o ato será válido se estes realmente ocorreram e
o justificavam. (MELLO, 2009, p. 398).
Assim, mesmo quando não seja requisito do ato administrativo sua
motivação, quando esta for publicizada, a análise de validade
do ato administrativo perpassa pela verificação de sua compatibilidade com os
requisitos legais, dentre estes, a congruência entre a vontade manifesta e o
resultado do ato. Vejamos:
ADMINISTRATIVO. ATO ADMINISTRATIVO. VINCULAÇÃO AOS
MOTIVOS DETERMINANTES. INCONGRUÊNCIA. ANÁLISE PELO JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE.
DANO MORAL. SÚMULA 7/STJ.
1. Os atos discricionários da Administração Pública
estão sujeitos ao controle pelo Judiciário quanto à legalidade formal e
substancial, cabendo observar que os motivos embasadores dos atos
administrativos vinculam a Administração, conferindo-lhes legitimidade e
validade.
2. “Consoante a teoria dos motivos determinantes, o administrador
vincula-se aos motivos elencados para a prática do ato administrativo. Nesse contexto, há vício de legalidade não apenas
quando inexistentes ou inverídicos os motivos suscitados pela administração,
mas também quando verificada a falta de congruência entre as razões explicitadas no ato e o resultado
nele contido” (MS 15.290/DF, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, julgado em
26.10.2011, DJe 14.11.2011).
Seguindo a teoria do fato jurídico de Pontes de Miranda, o voto de cada
um dos Deputados Federais, por ter entrado no mundo jurídico, é um fato
jurídico, independente de sua licitude. De acordo com sua classificação, os
atos que decorrem de uma ação humana ou são tidos como atos jurídicos, quando o
fato decorrer de uma vontade, ou atos-fatos, quando a vontade não estiver
presente”[2],
vejamos:
“Se esvaziamos os atos humanos de vontade (= se
dela abstraímos = se a pomos entre parênteses), se não a levamos em conta para
a juridicização, o actus é um factum, e como tal é que entra no mundo jurídico.
É de tratar-se, então, como aqueles fatos que, de ordinário, ou por sua
natureza, nada têm com a vontade do homem (MIRANDA, 1999, p. 422).
Importante registrar que os Líderes dos Partidos falaram no início da
votação para proceder a orientação das bancadas, nas falas dos líderes, houve
explanação quanto a existência ou inexistência de crime de responsabilidade,
donde restou claro que a maioria entendeu pela inexistência da configuração da
tipificação.
“Assim, conclui-se que, como a vontade humana é inerente ao voto, o voto de um
membro do Congresso Nacional é um ato jurídico. Em qualquer ato jurídico, a vontade deve estar em
sintonia com a Constituição Federal, sob pena de não atender ao requisito da validade. Pode existir e até
produzir efeitos, mas é ilícito, contrário ao Direito, pelo que deverão ser
invalidados”[3].
Importante registrar, ainda, que o Mandado de Segurança 34.130,
impetrado pela Advocacia Geral da União, teve a apreciação do pedido liminar na
data de 14 e abril, e em decisão, restou consignado em ata que o objeto de
deliberação pela Câmara estará restrito à denúncia recebida pelo Presidente
daquela Casa, ou seja, i) “seis Decretos
assinados pela denunciada no exercício financeiro de 2015 em desacordo com a
LDO e, portanto, sem autorização do Congresso Nacional” (fl. 17 do documento
eletrônico nº 6) e ii) “reiteração da prática das chamadas pedaladas fiscais”
(fl. 19 do documento eletrônico nº 6).
III – DO DIREITO
“A verdadeira justiça é o pilar mais firme do bom
governo”. George Washington
DO CONCEITO DE ATO LESIVO
Como se sabe, a Ação Popular é o meio constitucional adequado para que
qualquer cidadão possa evitar a prática ou pleitear a invalidação de atos
administrativos ilegais, imorais e lesivos ao patrimônio público, à moralidade
pública, à supremacia do interesse público e outros bens jurídicos tutelados e
indicados no texto constitucional.
Quando se trata de ato, é evidente que se trata de ato do poder público
em sentido amplo, e não meramente um ato administrativo. De fato, no Estado
Democrático está-se sob o comando do Direito:
O Estado deve ser não só criador, mas também
servidor da lei. Isso significa que não devem governar os homens: devem
governar as leis! "A government of laws and not of men", proclama o
art.30 da Constituição de Massachusetts de 1780.O Estado submetido ao próprio
direito foi denominado Rechtsstaat (Estado de Direito), segundo o termo cunhado
na Alemanha nas primeiras décadas do século XIX. O termo indica a oposição
entre o Estado submetido ao direito positivo, no intuito de garantir aos
indivíduos seus direitos.
Isso por que não só o domínio do Direito é pleno no nosso modelo
constitucional como também a nossa Constituição é programática, estabelecendo
padrões de modelos sociais.
La Constituciónya no limita a fijarloslímitesdel
poder el Estado frente a libertad civil, y a organizar laarticulación y
loslímites de laformación política de lavoluntad y delejerciciodeldominio, sino
se convierteenlapositivación jurídica de los ‘valores fundamentalesdelorden de
la vida encomún.
Conforme expõe Dworkin:
Minha estratégia será organizada em torno do fato
de que, quando os juristas raciocinam ou debatem a respeito de direitos e
obrigações jurídicas, particularmente naqueles casos difíceis nos quais nossos
problemas com esses conceitos parecem mais agudos, eles recorrem a padrões que
não funcionam como regras, mas operam diferentemente, como princípios,
políticas e outros tipos de padrões. Argumentarei que o positivismo é um modelo
de e para um sistema de regras e que sua noção central de um único teste
fundamental para o direito nos força a ignorar os papéis importantes desempenhados
pelos padrões que não são regras
Dworkin estabelece uma concepção de que o Direito deve ser lido conforme
os melhores padrões morais de uma comunidade, o que leva a uma primazia dos
direitos e princípios fundamentais perante a política.
Quer-se fundamentar, aqui, que há um princípio fundamental a ser
observado por todos os brasileiros, que é o da supremacia da Constituição e do
Direito. Este princípio implica que todo e qualquer ato pode ser revisado pelo
Poder Judiciário, mormente quando materialmente implica em violação dos valores
fundamentais da República. Por isso que a ação popular não pode ser entendida
como uma mera ação de cunho monetário.
A ação popular tem por objeto sim preservar os princípios fundamentais
do Estado Democrático de Direito, da moralidade pública e do devido processo
legal. A violação destes princípios atinge o “patrimônio ético” da
Administração Pública do Brasil, conquistada a duras penas.
Além disso, há de se lembrar também um direito fundamental do cidadão
que é o direito ao bom governo, à informação e à imparcialidade. Conforme
a Carta Iberoamericana de los Derechos y Deberes del Ciudadano em Relacióncon laAdministración
Pública, o “direito ao bom governo” compreende
Principio
de ética, encuyavirtud todas las personas alservicio de laAdministración
pública deberánactuarconrectitud, lealtad y honestidad, promoviéndoselamisión
de servicio, laprobidad, la honradez, laintegridad, laimparcialidad, labuenafe,
laconfianza mutua, lasolidaridad, latransparencia, ladedicación al trabajoenel
marco de los más altos estándaresprofesionales, elrespeto a losciudadanos, la
diligencia, laausteridadenel manejo de losfondos y recursos públicos así como
laprimacíadelinterés general sobre el particular.
É evidente que não é possível um “direito a um bom governo” sem que o
governo do país se paute pela ética, o que inclui a lealdade e a honestidade.
Ainda o Pacto de Direitos Civis e Políticos da Organização das Nações
Unidas, internalizada pelo Decreto 592, dispõe:
Artigo
14 1. Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de
justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com devidas
garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido
por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela
ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e
o público poderão ser excluídos de parte da totalidade de um julgamento, quer
por motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma
sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das Partes o
exija, que na medida em que isso seja estritamente necessário na opinião da
justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a
prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em
matéria penal ou civil deverá torna-se pública, a menos que o interesse de
menores exija procedimento oposto, ou processo diga respeito à controvérsia
matrimoniais ou à tutela de menores.
Retomando o argumento de Dworkin, há de se ter em mente a primazia dos
direitos fundamentais (direito a um bom governo ético) e dos princípios
(patrimônio ético e moral da Administração Pública). Estes direitos e
princípios estão em colisão, no caso concreto, com um argumento de política,
que é o de que há de se manter a discricionariedade dos órgãos públicos. Como
diz Dworkin:
Os direitos individuais são triunfos políticos que
os indivíduos detêm. Os indivíduos têm direitos quando, por alguma razão, um objetivo
comum não configura uma justificativa suficiente para negar-lhes aquilo que,
enquanto indivíduos, desejam ter ou fazer, ou quando não há uma justificativa
suficiente para lhes impor uma pena ou um dano. Sem dúvida, essa caracterização
de direito é formal, no sentido de que não indica quais direitos as pessoas têm
nem garante que de fato elas tenham algum. Mas não pressupõe que os direitos
tenham alguma característica metafísica especial (168 DWORKIN, Ronald.
Levando os direitos a sério. Trad. e notas de Nelson Boeira. São Paulo: Martins
Fontes, 2002, p. XV. Grifos nossos.)
Os direitos fundamentais que os cidadãos possuem, assim como o
patrimônio ético do Estado Brasileiro, não podem ceder ante a um argumento de
política que é a discricionariedade do ato de fundamentar seu voto em
justificativas alheias ao processo de impeachment instalado na Câmara dos
Deputados Federais, que tem por escopo a análise de suposto crime de
responsabilidade pelas chamadas pedaladas fiscais, estas que sequer se configuram
como crime.
Importante lembrar que o STF já se manifestou pela possibilidade de
controle de atos que tradicionalmente se classificam como “políticos”. É o caso
do julgado abaixo:
"A nomeação dos membros do Tribunal de Contas
do Estado recém-criado não é ato discricionário, mas vinculado a
determinados critérios, não só estabelecidos pelo art. 235, III, das
disposições gerais, mas também, naquilo que couber,pelo art. 73, § 1º, da CF.
Notório saber – Incisos III, art. 235 e III, § 1º, art. 73, CF. Necessidade de
um mínimo de pertinência entre as qualidades intelectuais dos nomeados e o
ofício a desempenhar. Precedente histórico: parecer de Barbalho e a decisão do
Senado. Ação popular. A não observância dos requisitos que vinculam a nomeação,
enseja a qualquer do povo sujeitá-la à correção judicial, com a finalidade de
desconstituir o ato lesivo à moralidade administrativa." (RE 167.137,
Rel. Min. Paulo Brossard, julgamento em 18-10-1994, Primeira Turma, DJ
de 25-11-1994.)
Assim, não resta dúvidas que a fundamentação do voto proferido pelos
deputados em contrariedade a soberania popular (art. 1º, I), os valores sociais
do trabalho (art. 1º, II), a vedação ao preconceito e qualquer forma de
discriminação (art. 3º, IV), a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II),
o combate à tortura ou tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III), a
função social da propriedade (art. 5º, XXIII ), a valorização da pequena
propriedade rural (art. 5º, XXVI), é ato possível de controle judicial, diante
da primazia da Constituição perante as políticas.
DO DESVIO DE FINALIDADE DOS VOTOS FAVORÁVEIS AO IMPEACHMENT PELA CONTRARIEDADE
AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E ALHEIOS AO SUPOSTO CRIME DE RESPONSABILIDADE
Restou claro desvio de finalidade quanto aos votos dos Deputados
Federais, principalmente pelo fato de que dentre as orientações das bancadas
foram registradas a inexistência de crime de responsabilidade, bem como a
votação por motivos alheios ao processo.
Inicialmente cabe-nos analisar a conduta dos líderes dos Partidos com
representação na Câmara dos Deputados, analise esta, à luz da Lei nº 4.717, de
1965 (Lei de Ação Popular) onde vemos que, em seu artigo 2º, são definidos os
vícios dos atos administrativos, sendo elencados os cinco elementos do ato:
competência, objeto, forma, motivo e finalidade. Nos parágrafos do mesmo
dispositivo, a lei define os vícios de cada um dos elementos do referido
diploma legislativo, litteris:
“Art. 2º São nulos
os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos
casos de:
a) incompetência;
b) vício de forma;
c) ilegalidade do
objeto;
d) inexistência dos motivos;
e) desvio de finalidade.
Parágrafo único.
Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
a) a incompetência
fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente
que o praticou;
b) o vício de forma consiste na omissão ou na
observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência
ou seriedade do ato;
c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o
resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato
normativo;
d) a inexistência dos motivos se verifica quando a
matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente
inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;
e) o desvio de finalidade se verifica quando o
agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou
implicitamente, na regra de competência.”
No direito administrativo, motivo e finalidade são considerados
elementos do ato administrativo exatamente para permitir a ampliação do
controle do Poder Judiciário sobre os atos da Administração Pública. A
finalidade é o resultado do ato administrativo, o efeito mediato que se quer
alcançar, tendo como objetivo final o interesse público.
Nas palavras de Hely Lopes Meirelles, a finalidade de todo ato
administrativo é, precisamente, o interesse público; sendo qualquer ato que
seja contrário ao interesse público considerado ilegal. Nos legou o doutrinador
que “O que o princípio da finalidade veda é a prática de ato administrativo sem
interesse público ou conveniência para a Administração, visando unicamente
satisfazer interesses privados, por favoritismo ou perseguição dos agentes
governamentais, sob a forma de desvio de finalidade. Esse desvio de conduta dos
agentes públicos constitui uma das mais insidiosas modalidades de abuso de
poder”.
O desvio de finalidade verifica-se quando a autoridade, embora atuando
nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com fins diversos dos
objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público. O desvio de finalidade ou de poder é, assim, a
violação moral da Lei, utilizando motivos e meios imorais para a prática do ato
administrativo aparentemente legal, mas com finalidades obscuras e contrárias
ao interesse público. De acordo com o doutrinador Dirley da Cunha Junior, a
finalidade é “um resultado ou bem jurídico que a Administração Pública quer
alcançar com a prática do ato, qual seja, o fim público, que nada mais é senão
servir ao interesse da coletividade”. (Junior, Dirley da Cunha, Curso de
Direito Administrativo, 5° ed., JusPodivm, 2007, pág.85). Assim nos ensina
também Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao afirmar que “em sentido amplo, a
finalidade sempre corresponde à consecução de um resultado de interesse
público. Já sob um sentido restrito, a finalidade é o resultado específico que
cada ato deve produzir, conforme definido em lei”. (Pietro, Maria Sylvia
Zanella di, Direito Administrativo, 21° ed., São Paulo: Atlas, 2007, pág. 198).
O ato praticado com desvio de finalidade, assim como todo aquele
praticado de forma ilícita ou imoral, ou é consumado à sorrelfa, ferindo o
princípio da publicidade, ou é camuflado por uma aparente legalidade e
expressão do interesse público, apresentando a dificuldade adicional de
comprovação de suas reais intenções por revestirem-se de uma aparente
legalidade, como é, precisamente, o caso dos atos ora combatidos.
No entendimento de Maria Sylvia Zanella di Pietro, o princípio da
supremacia do interesse público, também chamado de princípio da finalidade
pública, está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento da
sua execução em concreto pela Administração Pública. Ele inspira o legislador e
vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação.
No presente caso, não há dificuldade em caracterizar o desvio da
finalidade do ato, uma vez que além do discurso de orientação dos líderes dos
partidos, que em alguns casos reconheceram a inexistência do crime de
responsabilidade ou tergiversaram do processo em análise, os Deputados votantes
externaram suas razões, as quais também se afastaram bastante do teor do
processo, além de transparecer votos contrários ao ordenamento constitucional,
conforme restará demonstrado.
A sustentação do Direito Administrativo está intimamente ligada à
legalidade, supremacia do interesse público e ao princípio da moralidade,
consagrado no texto constitucional. De acordo com Hely Lopes Meirelles, “O ato
praticado com desvio de finalidade – como todo ato ilícito ou imoral- ou é
consumado às escondidas ou se apresenta disfarçado sob o capuz da legalidade e
do interesse público. Diante disso há de ser surpreendido e identificado por
indícios e circunstâncias que revelem a distorção do fim legal, substituído
habilidosamente por um fim ilegal ou imoral não desejado pelo legislador. A
propósito, já decidiu o STF que: “Indícios vários e concordantes são provas”.
(Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35º ed., 2009, p. 115).
O deputado do PP Aguinaldo Ribeiro, disse, então, que o partido tinha
uma posição única para a questão e que todos os membros votariam pela
admissibilidade do processo de impeachment. “Obriga-me a consciência fazer um
breve registro. Como todos sabem, fui honrado em 2012 pela indicação do meu
partido para fazer parte do primeiro governo da presidente Dilma, na posição de
ministro das Cidades. Não é porque vamos dizer sim hoje que podemos dizer não
ao ontem. Isso seria oportunismo. Durante todo o tempo que exerci a função de
ministro do governo Dilma pude atestar inúmeras qualidades da senhora
presidente, que é obstinada, determinada e fiel. Porém, não estamos julgando a pessoa da
presidente, estamos julgando politicamente o governo”. [https://youtu.be/gc3W02Hq0e8]
Ora, não tratava-se de julgamento politico do governo, mas julgamento
politico de um ato do governo que poderia ser configurado como crime, pelo que
deverão ser invalidados todos os votos da legenda.
Em seguida, Aelton Freitas, do PR, disse que o partido decidiu pelo não,
mas que não haveria “patrulhamentos por questão de divergência”. Ele afirmou que a
legenda não via legalidade no processo e que o ordenamento de impedir a
presidente da República sem prova de crime de responsabilidade só é admitido em
um regime parlamentarista. “O PR é um
partido que tem linha, que tem atitude, que não se esconde da verdade e assume
compromisso de papel passado. O direito à divergência está preservado. Mas isso
não quer dizer que alguém adotou uma postura de ocasião para dar o voto contra
o impeachment da presidente Dilma Rousseff. A decisão foi consignada pela
maioria do partido”, explicou. [https://youtu.be/keYD80HId-8]
Resta claro, na situação, que o Partido entendeu pela inexistência do
crime de responsabilidade, contudo, votou por outras motivações, o que configura
claramente o desvio de finalidade, devendo os votos a favor do prosseguimento do processo de impeachment,
serem invalidados.
O deputado Fernando Coelho Filho, do PSB, disse que: “Fomos solidários
quando os indicadores econômicos já prenunciavam o momento que estamos vivendo
hoje”, mas disse que a presidente perdeu a autoridade e a credibilidade
para liderar uma agenda mínima para tirar o país dessa situação. E orientou os
deputados da legenda a votarem sim pelo impeachment. [https://youtu.be/_yNf8tfhwWs]
Do mesmo modo, a fundamentação não atende os ditames de validade do ato,
uma vez configurado o desvio de finalidade, devendo os votos serem anulados.
Wilson Filho, do PTB, afirmou está julgando o Partido dos
Trabalhadores, ignorando o processo em curso, afirmou que “Foi bom ver um partido de esquerda deixar a posição
cômoda da crítica para trabalhar pelo destino do nosso país. O PT fez bem ao
entrar. E fará um bem ainda maior ao sair. Por maiores que sejam as virtudes na
política, elas não podem justificar os erros do grupo que agora de despede”,
orientando o partido a votar sim, fugindo também da finalidade e, portanto, os
requisitos da nulidade prevista no dispositivo legal reproduzido acima.[< https://youtu.be/oepc25uVPAg>]
Além das orientações, alheias ao processo em si, restou televisionado ao
Brasil e o Mundo, condutas descompromissadas, de incitação ao ódio,
descriminação, exclusão de melhorias e até apologia ao crime, tudo sob
aplausos.
Neste tocante, resta facilmente perceptível a existência de votos
“expressamente inconstitucionais”, porque revelam fundamentos contrários ao
previsto na CF/88, pois o art. 220 da Constituição Federal permite a livre
manifestação do pensamento, “observado o disposto nesta Constituição”, o que no
caso não foi observado.
Nesse compasso, votos foram motivados por retrocesso de direitos humanos
fundamentais.
O deputado Jair Bolsonaro, do PSC – RJ, ao proferir seu voto,
fundamentou nos seguintes termos: “Neste dia de glória para o povo brasileiro,
um nome entrará para a história nesta data pela forma como conduziu os
trabalhos desta Casa: Parabéns, Presidente Eduardo Cunha! Perderam em 1964.
Perderam agora em 2016. Pela família e pela inocência das crianças em sala de
aula, que o PT nunca teve... Contra o
comunismo, pela nossa liberdade, contra a Folha de S.Paulo, pela memória do
Cel. Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff! Pelo Exército
de Caxias, pelas nossas Forças Armadas, por um Brasil acima de tudo, e por Deus
acima de todos, o meu voto é sim!”
Ora, é livre a manifestação de pensamento, inclusive comunista, em nosso país. O que não pode ser permitido é um
pensamento que desrespeite a dignidade da pessoa humana, como o voto acima proferido (art. 1º, III,
CF/88), uma vez que a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II) e o
combate à tortura ou tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III) são
pilares de nosso Estado Democrático de Direito. Utilizar a memória de um
torturador da própria Presidenta no intuito de fazê-la reviver as dores
sofridas com a atitude doentil de um militar não é um ato que encontra qualquer
respaldo em nosso ordenamento jurídico, sendo no mínimo atentatório contra a
moral e incitação ao que a CF/88 expressamente determina o combate.[4]
Ainda sob a motivação por retrocesso de direitos humanos fundamentais,
foi o voto do Deputado Éder Mauro – PSD-PA, que assim restou fundamentado: “Sr.
Presidente, em nome do meu filho Éder Mauro Filho, de 4 anos, e do Rogério,
que, junto com a minha esposa, formamos uma família no Brasil, que tanto esses
bandidos querem destruir com propostas de que criança troque de sexo e aprenda
sexo nas escolas, com 6 anos de idade, em nome de todo o povo do Estado do
Pará, eu voto sim”.
A educação é direito de todos e dever do Estado e da família, devendo
ser assegurado à criança, ao adolescente e ao jovem o direito à liberdade, ao
respeito, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Assim, além de não ser objeto do
impeachment o modo de exercer a educação sexual nas escolas, o valor
apresentado viola o art. 205 e art. 227, da CF.
Outros votos foram justificados em representatividade a grupamentos
sociais que não encontram proteção constitucional, os quais deverão passar pelo
crivo da análise de validade.
O Deputado Hiram Gonçalves, PP – RR, assim fundamentou: “Sr. Presidente,
meu querido Brasil, pela minha família; pelos que me fizeram chegar até aqui;
pelos médicos do Brasil, para que sejam respeitados pelo próximo governo; pelos maçons do Brasil e pelo bem do
povo brasileiro, eu voto sim, Sr. Presidente”.
“Sr. Presidente, em respeito ao
suor e à mão calejada dos meus fumicultores e dos trabalhadores da indústria fumageira do meu Estado, Rio
Grande do Sul, eu voto sim. Feliz aniversário, Ana, minha neta!” (Sérgio Moraes
–PTB - RS).
“Pela minha filha Manuela que vai nascer, pela minha sobrinha Helena,
pelo futuro de todas as crianças e jovens do nosso País, por todos os corretores de seguros do Brasil, em especial por todo
o povo goiano, eu voto sim! Viva o Brasil!” (Lucas Vergilio - SD – GO).
“Sr. Presidente, em homenagem ao PPS, que neste processo todo foi
altivo, firme e decidido; em homenagem ao grande brasileiro, Presidente
nacional, Deputado Roberto Freire; em homenagem ao setor ativo, inovador e
gerador de renda, que é o setor
agropecuário; e para que venha um governo de reconstrução nacional e que o
Brasil vença hoje, voto sim, Sr. Presidente!” (Arnaldo Jardim - PPS - SP)
“Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, eu voto aqui hoje a favor das
nossas crianças, da nossa juventude, das nossas famílias, da minha Paraíso, do
meu sul de Minas. Voto a favor do
agricultor e do café, voto a favor dos mineiros e do Brasil. Mas voto
também a favor da Constituição. Voto sim ao impeachment da Presidente Dilma
Rousseff!” (Carlos Melles – DEM - MG).
“Por você, João Marcos, por você, Felipe, meus queridos netos, esperando
um Brasil melhor, por você, Marília, por você, mamãe, pela família uberabense,
o meu voto é sim. Pela Frente
Parlamentar da Agropecuária, que representa a produção e o emprego neste
País, pelo Brasil, por Minas Gerais e pela querida Uberaba e região, o meu
voto, Presidente, é sim, com muita responsabilidade” (Marcos Montes – PSD -
MG).
O art. 3º, III, da CF, diz que é objetivo fundamental erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. A
Constituição Federal determina a valorização da pequena propriedade rural (art.
5º, XXVI). Os únicos grupamentos que possuem previsão de proteção especial pelo
nosso ordenamento jurídico são os índios (art. 231 a 232 da CF) e quilombolas
(art. 68 e art. 215, §5º). Os maçons, os donos das indústrias de tabaco, os
corretores de seguros do Brasil, os latifundiários de café e os mineradores não
encontram respaldo constitucional a ponto de servir de fundamento para retirar
uma Presidenta eleita pelo voto popular.[5]
Houve, ainda, flagrante afronta ao Estado Federativo e Separação de
Poderes, conforme se depreende dos votos adiante transcritos.
“Sr. Presidente, não existe nada mais democrático do que o que estamos
fazendo aqui. Eu, pela segunda vez, estou votando o impeachment de um
Presidente, e a Presidente Dilma Rousseff vai receber o impeachment desta Casa
porque é incompetente
administrativamente e porque não tem relação política com o Congresso Nacional.
Nós precisamos recuperar o Brasil, e eu tenho certeza de que com o Michel Temer
vamos fazer isso. O meu voto é sim” (Beto Mansur- PRB- SP).
“Sr. Presidente, eu disse no meu relatório que o povo do meu Estado de
Goiás, que o povo brasileiro, que a juventude brasileira merece uma nova
chance. Esta é a nova chance! E peço ao povo brasileiro que, através de seu
trabalho, respeite, a partir de agora, um
Parlamento que sempre defendeu o povo, que é a Câmara dos Deputados da
República Federativa do Brasil. Um abraço! Meu voto é sim” (Jovair
Arantes-PTB-GO).
Ambos os votos acima são uma violação ao sistema presidencialista, que
foi escolhido pelo constituinte originário e referendado pelo plebiscito de
1988 (art. 2º da CF/88, art. 2º, ADCT). Além de se tratar de uma mera opinião
(incompetente é adjetivo, e, portanto, não é conduta e, por isso, não pode ser
um crime de responsabilidade), dizer que a Presidenta“ não tem relação política
com o Congresso Nacional” não é também razão para afastamento, afinal quem tem
que gostar do Presidente é o eleitor, e manifestar sua vontade pelos meios
constitucionais, cabendo aos políticos do país respeitarem a “harmonia e
separação dos poderes” e utilizarem os mecanismos de freios e contrapesos nos
limites prescritos na própria Constituição.[6]
“Sr. Presidente, quero pedir desculpas ao meu
querido amigo e grande Governador Flávio Dino, pois eu não posso passar por
cima da cassação estranhíssima e injusta do Governador Jackson Lago, a quem
presto homenagem neste momento. Não posso passar por cima das perseguições e
injustiças contra mim. Não posso passar
por cima do bloqueio do Governo Federal ao meu Governo. Assim, Governador,
a quem admiro e respeito, desculpe, mas o meu voto é sim” (José Reinaldo- PSB-
MA).
Além de ferir o critério da impessoalidade (art. 37, CF/88), é
escancaradamente inconstitucional o voto acima porque afirma que o fundamento é
uma vontade de se imiscuir do cumprimento de atos administrativos revestidos de
presunção de legalidade (art. 5º, II, CF/88).
A votação do impeachment da Presidenta Dilma Roussef na Câmara dos
Deputados encontrou, ainda, diversos votos em afronta direta ao voto direto, ao
referendo popular e ao plebiscito, conforme se observa adiante.
“Pelo Brasil; pela cidade de Ituporanga, que me adotou; por Nova Trento,
onde eu nasci; por toda Santa Catarina; pela
mudança do Estatuto do Desarmamento; pelos nossos agricultores e pelo fim
da corrupção no Brasil, eu voto sim” (Rogério Peninha Mendonça-PMDB-SC).
“Pelo povo de São Paulo nas ruas, com o espírito dos
revolucionários de 1932; em respeito aos 59 milhões de votos contra o Estatuto do Desarmamento, em 2005;
pelos militares de 1964, hoje e sempre; pelas polícias e, em nome de Deus e da
família brasileira, é sim. E Lula e Dilma na cadeia” (Eduardo
Bolsonaro-PSC-SP).
A soberania popular foi
desrespeitada, pois o Estatuto do Desarmamento foi referendado pelo povo
brasileiro em 23 de outubro de 2005, além de não ser objeto do procedimento de
impeachment. Assim, viola art. 1º, I, e art. 14, I, da CF.
“Por novas
eleições, porque trocar seis por meia dúzia não resolve, eu me abstenho”
(Vinicius Gurgel - PR – AP)
“Sr. Presidente, Sras. e Srs.
Deputados, povo brasileiro, defendo
eleições gerais para a renovação da política do Brasil. De preferência, que
nossa população mande de volta para casa todas — sem exceção — essas velhas
raposas que estão aí. Voto sim ao impeachment”( Marcelo Belinati - PP - PR).
“Pela Constituição brasileira,
contra a corrupção do meu País e também respeitando a diminuição das
desigualdades sociais, querendo uma
eleição nova para este Brasil, eu tenho que me abster, porque não posso
acreditar nem em uma chapa nem na outra. Eu me abstenho” (Gorete Pereira –
PR – CE).
Considerando que não há
fundamentos constitucionais para a realização de novas eleições, e não estavam votando em chapas, mas no afastamento de uma presidenta
por suposto crime de responsabilidade, os votos devem ser anulados, por ferir o art. 14,
caput, da CF.
Houve ainda violação à liberdade
de criação e manutenção partidárias, bem como a liberdade sindical.
“Sr. Presidente, como Delegado
da Polícia Federal, meu voto vai pelo
fim da facção criminosa lulopetista, fim da pelegagem da CUT, fim da CUT e seus
marginais. Viva a Lava-Jato, a República de Curitiba! E a minha bandeira
nunca será vermelha! Sim, Presidente!”(Fernando Francischini-SD-PR).
O voto acima transcrito além de
ofender o princípio federativo (art. 1º, caput), também vai de encontro ao art.
8º, que garante a liberdade sindical.
“Por São Paulo, pelo fim dessa
quadrilha que assaltou o País, pelo meu
pai, que tanto sofreu na mão do PT, por mais dignidade às pessoas com
deficiência, pelo meu povo brasileiro, eu voto sim” (Mara
Gabrilli-PSDB-SP-Sim).
“Sr. Presidente, também em nome
dos Deputados Edmar Arruda e Valdir Rossoni, pelo povo que foi às ruas do
Brasil de verde e amarelo, por um Brasil
livre do PT, pelo Paraná, pela República de Curitiba, eu voto sim” (Paulo
Martins - PSDB - PR).
O voto acima fere os art. 1º e
art. 60, §4º, I, e o art. 17, todos da CF/88, por violar a liberdade de fusão,
incorporação e extinção dos partidos políticos, lembrando que a extinção
compulsória é possível desde que viole os preceitos previstos nos incisos do
próprio artigo constitucional, após o devido processo legal.
“Pelos trabalhadores do Brasil,
pelos aposentados, contra os 10 milhões de pessoas que perderam emprego no
Governo Dilma, do PT, pelo crescimento do Brasil, por mais emprego e contra a boquinha do PT, pelo fim da
boquinha do PT e do PCdoB, eu voto sim, Sr. Presidente” (Paulo Pereira da
Silva - SD - SP ).
“Contra a ladroeira, contra a
imposição desse partido de esquerda, que quer transformar este Brasil numa ditadura de esquerda, o meu voto é
"sim". Pelo impeachment, pelo Sérgio Moro, pelos evangélicos, pelo meu Brasil, pela minha família, voto sim.” (Takayama - PSC - PR).
“Com a ajuda de Deus, pela minha família, pelo povo
brasileiro, pelos evangélicos da
Nação toda, pelos meninos do MBL, pelo Vem Pra Rua Brasil — dizendo que o Olavo
tem razão, Sr. Presidente, dizendo tchau
para essa querida e para o PT, Partido das Trevas —, eu voto sim ao
impeachment, Sr. Presidente!” (Pastor Marcos Feliciano PSC –SP).
Resta claro que, num ato formal
de votação em um Congresso Nacional, incluir na sua manifestação brincadeiras
jocosas à figura feminina de uma Presidenta da República eleita pelo voto
popular é algo que ultrapassa o mau gosto para entrar na esfera da
inconstitucionalidade, mesmo considerando a liberdade de manifestação de
pensamento dos Deputados, afinal, ali não eram meros debates, mas um ato de
votação, no entanto, o que se viu foi um atentado à moral, à seriedade e forma
do ato e do sexismo.[7]
Seguem, pois, os votos que
afrontam o art. 1º, II e III, art. 2º, art. 3º, IV, art. 5º, X, da CF/88:
“Sr. Presidente, na minha curta
estrada da política, é a segunda vez que eu deparo com uma situação dessas. É a
segunda vez que tenho que votar contra um gestor que cometeu improbidade
administrativa. Como na primeira vez, eu voto pelo meu Mato Grosso do Sul. Pela
juventude do meu Brasil, eu voto sim. Tchau,
querida!” (Elizeu Dionizio, PSDB, MS)
“Sr. Presidente, eu saúdo o
Brasil e os brasileiros. Eu saúdo o meu Estado de São Paulo e a minha querida
Zona Sul com o voto sim, pelo impedimento da Presidente Dilma Vana Rousseff. Tchau, querida!” (Alexandre Leite - DEM
- SP).
“Fui dentro do covil dos
bandidos, na faixa da posse do Lula, para safá-lo das mãos do Juiz Moro, dizer
o que estava entalado na garganta de milhões e milhões de brasileiros! E agora
eu vou repetir: Dilma, você é uma
vergonha, vergonha, vergonha! (Major Olímpio - SD - SP).
“Presidenta Dilma, V.Exa. está
sentindo o que 10 milhões de brasileiros sentiram quando receberam o aviso
prévio de perda dos seus empregos. V.Exa. também está perdendo o seu emprego. Tchau, querida, não precisa voltar! Eu
voto sim” (Cabo Sabino - PR - CE).
“Sr. Presidente, em homenagem à
minha querida Alegre, na Região do Caparaó, aos 3,5 milhões de capixabas em 78
Municípios, às mais de 50 mil pessoas do movimento Vem Pra Rua que estão na
Praça do Papa, e para que nossa
ex-Presidenta Dilma tenha férias eternas, eu digo sim, Sr. Presidente.”
(Carlos Manato - SD - ES).
“Sr. Presidente, chega de
roubalheira no Brasil! Chega de safadeza! Chega de tanta corrupção! Lugar de
bandido é na cadeia, não é no Palácio do Governo. Por isso, Sr. Presidente, eu
voto sim. Eu voto sim porque não há golpe, há impeachment! Presidente, tchau, querida!” (Laudivio Carvalho - SD - MG).
Importante registrar, que vários
votos tiveram fundamentos religiosos ou familiares, certamente para “deixar
registrados seus nomes na história”.
Ora, a simples menção a Deus e à
família não invalidaria o ato, desde que não os fossem ditos como fundamento
(“primeiro agradeço a Deus” é diferente de “pela nação evangélica”, ou “pela
minha família”, já que essa é a justificativa, enquanto aquela é simples menção).
No entanto, ao informarem estar agindo
em nome de sua própria família ou de seus parceiros religiosos, os Deputados
Federais desrespeitam a igualdade de liberdade religiosa, já que o Estado deve
ser neutro, não podendo figurar “Deus” como fundamento de qualquer ato
administrativo, sob pena de ser nulo. Os fundamentos do cristianismo não
podem servir de fundamento aos atos públicos, porque estes, impessoais, devem
respeitar os fundamentos de todas as religiões (art. 37 e art. 5º, VI, da CF).[8]
Seguem os nomes dos Deputados
Federais que se utilizaram desse fundamento para seu voto. Não transcreveremos
todos na íntegra porque essas pessoas já foram desnecessariamente mencionadas
em demasia.
Importante perceber que também
votos “não” estão incluídos, quais sejam: Andres Sanchez PT SP e Odorico
Monteiro PROS CE. O que serve para um, serve para todos.
Seguem nomes dos Deputados que
manifestaram o “sim” contaminados pela eiva da ilegalidade por ferir a
impessoalidade, igualdade e laicidade do Estado brasileiro:
Ronaldo Nogueira PTB RS.
Josué Bengston PTB PA. Toninho Wandscheer PROS PR.
Carlos Marun PMDB MS. Júlia Marinho PSC PA. Nilson Pinto PSDB PA.
Ricardo Barros PP PR. Wladimir Costa SD PA. Diego Garcia PHS PR.
Nelson Meurer PP PR. Ricardo Barros PP PR. Sandro Alex PSD PR.
Geraldo Resende PSDB MS. Tereza Cristina PSB MS. Arthur Virgílio
Bisneto PSDB AM. Átila Lins PSD AM. Conceição Sampaio PP AM. Silas
Câmara PRB AM. Lucio Mosquini PMDB RO. Nilton Capixaba PTB RO. Célio
Silveira PSDB GO. Daniel Vilela PMDB GO. Delegado Waldir PR GO. Fábio Souza PSDB GO.
Fábio Souza PSDB GO. Alexandre Serfiotis PMDB RJ. Arolde de
Oliveira PSC RJ. Aureo SD RJ.
Cabo Daciolo PTdoB RJ. Cristiane Brasil PTB RJ. Ezequiel
Teixeira PTN RJ. Fernando Jordão PMDB RJ. Francisco Floriano DEM RJ. Roberto
Sales PRB RJ. Simão Sessim PP RJ. Soraya Santos PMDB RJ.
Sóstenes Cavalcante DEM RJ. Evair de Melo PV ES. Marcus Vicente PP ES. Heráclito Fortes PSB PI. Antonio
Imbassahy PSDB BA. Jerônimo Goergen PP. José Otávio Germano PP RS. Sérgio Moraes PTB RS. Geovania de Sá PSDB SC.
João Rodrigues PSD SC. Jorge Boeira PP SC.
Jorginho Mello PR SC. Marco Tebaldi PSDB SC. Delegado Éder
Mauro PSD PA.
Hélio Leite DEM PA. Joaquim Passarinho PSD PA.
Lucas Vergilio SD GO. Roberto Balestra PP GO. Thiago Peixoto PSD GO. Izalci PSDB DF.
Laerte Bessa PR DF. Ronaldo Fonseca PROS DF.
Flaviano Melo PMDB AC. Jéssica Sales PMDB AC. Rocha PSDB AC.
Carlos Henrique Gaguim PTN TO. Professora Dorinha Seabra Rezende DEM TO.
Nilson Leitão PSDB MT. Alex Manente PPS SP. Bruna Furlan PSDB SP. Duarte
Nogueira PSDB. Capitão Augusto PR SP.
Carlos Sampaio PSDB SP. Celso Russomano -PRB – SP. Dr. Sinval
Malheiros PTN SP. Duarte Nogueira PSDB SP. Edinho Araújo PMDB SP.
. Eli Corrêa Filho DEM SP. Flavinho PSB SP. Floriano Pesaro PSDB SP.
Gilberto Nascimento PSC SP. Goulart PSD SP. Herculano Passos PSD SP. Jefferson
Campos PSD SP. Jorge Tadeu Mudalen DEM SP.
Keiko Ota PSB SP. Herculano Passos PSD SP. Jorge Tadeu Mudalen DEM SP.
Luiz Lauro Filho PSB SP. Mara Gabrilli PSDB SP.
Marcelo Squassoni PRB SP. Marcio Alvino PR. Renata Abreu PTN SP.
Ricardo Izar PP SP Sim.
Ricardo Tripoli PSDB SP. Roberto Alves PRB SP. Rodrigo Garcia DEM SP.
Vinicius Carvalho PRB SP. Juscelino Filho DEM MA. Victor Mendes PSD MA.
Ronaldo Martins PRB CE. Rodrigo Martins PSB PI. Antônio Jácome PTN RN.
Beto Rosado PP RN. Rogério Marinho PSDB RN.
Dâmina Pereira PSL MG. Diego Andrade PSD MG. Dimas Fabiano PP MG.
Eros Biondini PROS MG. Fábio Ramalho PMDB MG. Franklin Lima PP MG.
Jaime Martins PSD MG. Leonardo Quintão PMDB MG. Luiz Fernando Faria PP MG.Marcelo
Álvaro Antônio PR MG. Marcos Montes PSD MG. Misael Varella DEM MG. Raquel Muniz PSD MG.
Renzo Braz PP MG. Rodrigo de Castro PSDB MG.
Stefano Aguiar PSD MG. Tenente Lúcio PSB MG. Zé Silva SD MG.
Elmar Nascimento DEM BA. José Carlos Aleluia DEM BA.
Anderson Ferreira PR PE. Eduardo da Fonte PP. Pastor Eurico PHS PE.
André Moura PSC SE. Arthur Lira PP AL. Cícero
Almeida PMDB AL. Marx Beltrão PMDB AL. Pedro Vilela PSDB AL.
Acessível em:
A votação, nos moldes em que ocorreu, contrariou ainda, o decidido no
Mandado de Segurança 34.130, visto que em questão submetida ao plenário, pelo
Presidente, os Ministros presentes autorizaram que fosse
consignado em ata que o objeto de deliberação pela Câmara estará restrito à
denúncia recebida pelo Presidente daquela Casa (decisão anexa), o que, no entanto, não ocorreu,
pois referida denúncia não foi utilizada para fins de fundamentação, sendo
diversas justificativas levantadas para fins de opinar pelo encaminhamento do
Processo de Impeachment, restando apenas 16 votos justificados pelo suposto
crime de responsabilidade.
A conduta dos Deputados Federais cabe ser analisada igualmente sob o
princípio da moralidade, que se encontra prevista no art. 37 da Constituição
Federal de 88:
“Art. 37 A
administração publica direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficácia […].”
Assim, todo e qualquer ato praticado na Administração Pública deverá ser
regido pelo princípio da moralidade. Neste entendimento, socorre-nos ainda uma
vez o eterno Mestre Hely Lopes Meirelles, que ensina que “o agente
administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve,
necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o Honesto do Desonesto. E ao atuar,
não poderá desprezar o elemento ético da sua conduta. Assim, não terá que
decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo do injusto, o conveniente e o
inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o
desonesto.” (Meirelles, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, São
Paulo, Ed. Medeiros, 2012).
A probidade administrativa está intrinsicamente ligada aos princípios da
legalidade e da moralidade administrativa. Pelo principio da legalidade, o
administrador deve atuar em conformidade com a lei; pelo principio da
moralidade, este mesmo administrador deve atuar com ética e moralidade. É
precisamente o que não ocorre com a conduta dos Deputados Federais que
tergiversaram do procedimento em votação e aproveitaram o momento para
justificar seus votos acerca de um ato que já nasceu ilegal, através de
brincadeiras e desrespeitos contra o povo e a Constituição, contrariando seus
deveres de ação à luz da razoabilidade e do senso comum, depondo de forma
evidente contra o principio da moralidade.
Tal hipótese configura uma clara deturpação das finalidades do ato
administrativo, vez que se encontra revestido de aparente legalidade, no
entanto, esta já não mais e sustenta, pois se caracteriza como desvio de
finalidade, sendo, portanto, nulo, uma vez que praticados contrariando a
finalidade legal que justificou a outorga de competência para a prática do ato.
É importante dizer que “não se pode dizer qualquer coisa sobre qualquer
coisa”. Ocorre que se conhece através de um processo de imersão no mundo, e
este mundo resiste a que se diga qualquer coisa sobre ele. Há várias tradições
científicas e filosóficas a explicar tal fenômeno. Por exemplo a semiologia, ao
estabelecer que os signos são imutáveis individualmente; Wittgenstein ao
descrever que aprendemos o significado das coisas através de um processo de
erro e acerto em nossa história individual; Habermas e seu conceito de mundo da
vida compartilhado e a Hermenêutica e a fusão de horizontes. Afora as citações
filosóficas, é importante ressaltar aqui que o mundo linguístico está formado
não por uma realidade abstrata, suprasensível ou lógica, está, isto sim,
enredada na prática cotidiana. Sabe-se o que significa dia, honestidade,
bicicleta, esquadro, pedra, porta, degrau por que se está dentro de uma
tradição social de atribuir certos significados a estas palavras ou signos.
Alguém olhar para um automóvel e chamá-lo de bicicleta terá pouco sucesso ao
tentar se comunicar.
O mesmo vale para o Direito e seus valores. A despeito de certo
relativismo sobre o que o Direito significa, as palavras resistem:
É justamente por isso que afirmar que a norma é o
produto da interpretação do texto não significa que o intérprete pode “falar
qualquer coisa sobre qualquer coisa”, atribuindo sentidos de forma arbitrária
ao texto, como se norma e texto estivessem separados. “Ou seja, a norma – assim
entendida – não pode superar o texto; ela não é superior ao texto.” [...]. Se é
certo que o ato de interpretar não é filologia, não se limitando à análise de
textos (fosse assim, os juristas não seriam necessários: os melhores
hermeneutas seriam os professores de português), não é menos certo que não há
somente normas [...] Faz-se
necessário “levar o texto a sério”, parafraseando Ronald Dworkin, pois os
textos não existem de forma metafísica: o texto é inseparável de seu sentido
(i.e., da norma). Textos sempre dizem respeito a algo da facticidade:
interpretar um texto é aplicá-lo [...].
Há, pois, limites no processo interpretativo
[...]As palavras não dizem aquilo que o jurista quer que elas digam!
Interpretar/aplicar um texto não é escrever um texto novo. A Constituição não
pode ser apenas um espelho que reflete a vontade e através do qual se pode
enxergar tudo aquilo que se deseja (TRIBE; DORF, 2007, p. 3). Ler o texto não
pode ser meramente um exercício de concretização de interesses de seus
leitores, que usam a linguagem do documento como espelho para refletir suas
preferências.
A Constituição e as leis
resistem à vontade individual dos intérpretes, posto que só são cognoscíveis em
uma prática comunitária. Portanto, para qualquer usuário normal da língua da
nossa comunidade, e para qualquer pessoa que esteja interagindo em nossa
sociedade, vai entender que sucessivas declarações agressivas de uma autoridade
a outra, contínuas ameaças, combinadas com suspeitas de improbidade com elevada
carga probatória comprometem a idoneidade de um procedimento tão relevante.
A
Constituição Federal consagra que “todo o Poder emana do povo, que o exerce por
meio de representantes eleitos ou diretamente (...)” (art. 1º, parágrafo
único), sendo, portanto, a soberania popular fundamento do Estado Democrático
de Direito. Considerando que a população brasileira definiu através de
plebiscito a forma republicana e o sistema de governo presidencialista, todas
as violações que atentem contra o mandato de Presidente da República constituem
afronta direta à soberania popular e aos fundamentos do Estado Democrático de
Direito.
Ademais,
tem reflexos diretos sobre o mandato de Presidente da República, afetando o
âmago do presidencialismo, sistema de governo escolhido democraticamente pelo
povo brasileiro no plebiscito de 21 de abril de 1993. É imperioso, portanto,
que o procedimento iniciado a partir da denúncia seja conduzido de maneira
hígida e conforme aos preceitos constitucionais e legais.
Como
se demonstra ao longo da presente peça, a Câmara dos Deputados, por seus
representantes e representada pelo seu Presidente EDUARDO CONSENTINO DA CUNHA,
responsável pela condução do procedimento de Impeachment, violaram o
ordenamento jurídico pátrio, pelo que deverá o Poder Judiciário realizar o
controle e coibir os ilícitos, tornando nula a votação realizada em plenário na
data de 17 de abril de 2016.
Ante todos os fatos e fundamentos expostos, cabível a total procedência
da presente Ação Popular, com a finalidade de salvaguardar o interesse público
e preservar os fundamentos do Estado Democrático de Direito, o processo de
Impeachment, ora no Senado, em razão dos vícios cometidos pela Câmara dos
Deputados.
IV – DO PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR
As provas produzidas junto com a presente inicial, bem como os
argumentos nela contidos, demonstram a plausibilidade do direito invocado,
visto que a autoridade pública demandada, por sua composição parlamentar,
praticou uma inequívoca violação aos comandos constitucionais e ao princípio da
moralidade administrativa.
O fumus boni iuris pode ser facilmente depreendido dos argumentos
já expostos nesta exordial, na medida em que são demonstradas evidentes
violações ao ordenamento jurídico e ofensa aos princípios basilares que devem
reger a administração pública.
Segue anexa à presente exordial a degravação das declarações dos
Deputados Federais, sendo para cada um deles apontado o correspondente artigo
constitucional expressamente ou tacitamente violado.
Presente
o fumus boni iuris, patente está
também o periculum in mora: a simples admissibilidade e continuação do processo
de impeachment da Presidente da República no Senado Federal é capaz de
convulsionar ainda mais a situação política do País, acarretando reflexos
diretos sobre a economia, a paz social e a Ordem Pública.
É
completamente inadmissível permitir que todo um país esteja à mercê de
motivações pessoais de parlamentares que se distanciam do interesse público e
da vontade de seus representados,em descompromisso com o interesse público e
não hesitam em abusar de sua posição e capacidade de voto para satisfazer seus
– vis – interesses próprios.
V – DOS PEDIDOS
Em face dos fatos e fundamentos apresentados, requer o Autor:
a) seja concedida a medida liminar pleiteada,
com a antecipação da tutela pretendida, para suspender os efeitos do ato
administrativo de votação de admissibilidade do processo de Impeachment em face
da Presidente Dilma Vana Roussef por desvio de finalidade, com o consequente
sobrestamento do processo no Senado Federal, até o julgamento do mérito desta
ação popular;
b) seja determinado que o Presidente do
Senado Federal, Renan Calheiros, se abstenha de receber, e/ou dar continuidade
a Processo de Impeachment até o julgamento do mérito desta ação popular;
c) a citação do demandado, no
endereço acima indicado, para que, querendo, conteste a presente ação popular,
sob pena de revelia e confissão quanto à matéria de fato, de acordo com o
disposto pelo artigo 344 do novo Código de Processo Civil;
d) a citação da União, na pessoa
de seu representante legal, especialmente para que, nos termos § 3º do art. 6º
da Lei 4.717, de 1965, exerça sua faculdade de atuar ao lado do autor na defesa
do interesse público;
e) a atuação do Ministério
Público Federal como custos legis;
f) a produção de todas as provas
em Direito admitidas, quais sejam, prova documental, testemunhal, depoimento
pessoal, pericial e as demais admitidas para elucidação dos fatos alegados, na
fase própria, registrando, desde logo, a autenticidade dos documentos e anexos
acostados a esta exordial;
g) a expressa manifestação
acerca da validade, vigência, constitucionalidade e aplicabilidade ao caso
concreto dos arts. 1ºe 2º da Lei 4.717 para fins de prequestionamento.
h) a expressa manifestação
acerca da validade, vigência, convencionalidade e aplicabilidade dos art. 1º 2
2º da Lei 4717 perante o art. 14 do Pacto de Direitos Civis e Políticos
da Organização das Nações Unidas, internalizada pelo Decreto 592 de 1992.
i) a procedência da presente
ação, por infringência aos arts. 2º da Lei nº 4.717, de 1965, e do art. 218, §
1º do Regimento Interno da Câmara, bem como do artigo 37 da Constituição
Federal, para que sejam anulados todos os atos praticados pelos Deputados
Federais na data de 17 de janeiro de 2016, que culminou na admissibilidade do
Processo de Impeachment da Presidenta da República Dilma VanaRoussef.
j) Caso não entenda pela
nulidade total do ato, que sejam anulados os votos das bancadas dos seguintes
partidos: Partido Progressista – PP, Partido da República – PR e Partido
Socialista Brasileiro – PSB, por nítida caracterização do desvio de finalidade,
em razão do reconhecimento de inexistência de crime de responsabilidade
declarado pelo primeiro partido, configurando a inexistência de motivos e o
desvio de finalidade denunciado pela fala dos lideres das respectivas bancadas
acima nominadas, conforme anexo, bem como a nulidade dos votos justificados em
apologia ao crime.
l) Alternativamente, caso não
sejam acolhidos integralmente os pleitos acima formulados, que sejam anulados
os votos manifestamente inconstitucionais, de acordo com a fundamentação
apontada no decorrer da peça vestibular, precisamente os votos dos deputados: Jair
Bolsonaro, Eder Mauro, Hiram Gonçalves, Sergio Morais, Lucas Vergílio, Carlos
Melles, Arnaldo Jardim, Marcos Montes, Beto Mansur, Jovair Arantes, José
Ronaldo, Rogério Peninha Mendonça, Eduardo Bolsonaro, Vinicius Gurgel, Marcelo
Belinati, Gorete Pereira, Fernando Francischini, Mara Gabrili, Paulo Martins,
Paulo Pereira da Silva, Tokayama, Marcos Feliciano, Elizeu Dionizio, Alexandre
Leite, Mazon Olimpio, Cabo Sabino, Carlos Manato, Laudivio Carvalho, Andres
Sanchez, Odorico Monteiro, Ronaldo Nogueira, Josué Bengston, Toninho
Wandscheer, Carlos Marun, Júlia Marinho, Nilson Pinto, Ricardo Barros, Wladimir Costa, Diego Garcia, Nelson Meurer, Sandro
Alex, Geraldo Resende, Tereza Cristina, Arthur Virgílio Bisneto, Átila Lins,
Conceição Sampaio, Silas Câmara, Lucio Mosquini, Nilton Capixaba, Célio
Silveira, Daniel Vilela, Delegado Waldir, Fábio Souza, Fábio Souza, Alexandre
Serfiotis, Arolde de Oliveira, Aureo ,
Cabo Daciolo, Cristiane Brasil, Ezequiel Teixeira, Fernando Jordão, Francisco
Floriano, Roberto Sales, Simão Sessim, Soraya Santos, Sóstenes Cavalcante,
Evair de Melo, Marcus Vicente, Heráclito Fortes, Antonio Imbassahy, Jerônimo
Goergen, José Otávio Germano, Sérgio Moraes, Geovania de Sá, João Rodrigues,
Jorge Boeira, Jorginho Mello , Marco
Tebaldi, Delegado Éder Mauro, Hélio Leite, Joaquim Passarinho, Lucas Vergilio,
Roberto Balestra, Thiago Peixoto, Izalci, Laerte Bessa, Ronaldo Fonseca,
Flaviano Melo, Jéssica Sales, Rocha PSDB AC, Carlos Henrique Gaguim , Professora Dorinha Seabra Rezende,
Nilson Leitão, Alex Manente, Bruna Furlan, Duarte Nogueira, Capitão Augusto,
Carlos Sampaio, Celso Russomano, Dr. Sinval Malheiros, Duarte Nogueira, Edinho
Araújo, Eli Corrêa Filho, Flavinho PSB SP, Floriano Pesaro, Gilberto Nascimento PSC SP.
Goulart PSD SP. Herculano Passos PSD SP, Jefferson Campos PSD SP. Jorge
Tadeu Mudalen DEM SP. Keiko Ota PSB SP.
Herculano Passos PSD SP. Jorge Tadeu Mudalen DEM SP.
Luiz Lauro Filho, Mara Gabrilli PSDB SP. Marcelo Squassoni, Marcio Alvino,
Renata Abreu, Ricardo Izar, Ricardo Tripoli ,
Roberto Alves, Rodrigo Garcia, Vinicius Carvalho, Juscelino Filho , Victor Mendes, Ronaldo Martins,
Rodrigo Martins, Antônio Jácome, Beto Rosado ,
Rogério Marinho, Dâmina Pereira, Diego Andrade, Dimas Fabiano, Eros Biondini,
Fábio Ramalho, Franklin Lima, Jaime Martins, Leonardo Quintão, Luiz Fernando
Faria, Marcelo Álvaro Antônio, Marcos Montes, Misael Varella, Raquel Muniz,
Renzo Braz, Rodrigo de Castro, Stefano Aguiar ,
Tenente Lúcio, Zé Silva, Elmar Nascimento ,
José Carlos Aleluia, Anderson Ferreira, Eduardo da Fonte, Pastor Eurico, André
Moura , Arthur Lira, Cícero
Almeida, Marx Beltrão, Pedro Vilela.
VI - DAS PROVAS
O
autor protesta pela produção de provas documentais.
VII - DO VALOR DA CAUSA
Dá a causa o valor de R$ 10,00 (dez reais).
Termos em que,
pede deferimento.
Itapipoca (CE), 22
de Abril de 2016.
Antonio
José de Sousa Gomes
OAB/CE
23.968
|
Caio
Santana Mascarenhas Gomes
OAB/CE
17.000
|
Antônio
Emerson Sátiro Bezerra
OAB/CE
18.236
|
Francisco
Scipião da Costa
OAB/CE
23.945
|
Inocêncio
Rodrigues Uchôa
OAB/CE
3.274
Neilianny
Carla Vieira Oliveira
OAB/CE
31.164
|
Maria
Rosa de Carvalho Leite Neta
OAB/CE
19.937B
Edna
Maria Teixeira
OAB/CE:
22.678
|
[1]
A teoria dos motivos determinantes e a nulidade dos votos do impeachment – Por
Marta de Oliveira Torres – [http://emporiododireito.com.br/a-teoria-dos-motivos-determinantes/]
– acessado em 18/04/2016.
[2]
A teoria dos motivos determinantes e a nulidade dos votos do impeachment – Por
Marta de Oliveira Torres – [http://emporiododireito.com.br/a-teoria-dos-motivos-determinantes/]
– acessado em 18/04/2016.
[3]
A teoria dos motivos determinantes e a nulidade dos votos do impeachment – Por
Marta de Oliveira Torres – [http://emporiododireito.com.br/a-teoria-dos-motivos-determinantes/]
– acessado em 18/04/2016.
[4]
O julgamento dos votos do impeachment – Por Marta de Oliveira Torres– [http://emporiododireito.com.br/julgamento-dos-votos-do-impeachment/]
– acessado em 28/04/2016.
[5] O
julgamento dos votos do impeachment – Por Marta de Oliveira Torres– [http://emporiododireito.com.br/julgamento-dos-votos-do-impeachment/]
– acessado em 28/04/2016.
[6] O
julgamento dos votos do impeachment – Por Marta de Oliveira Torres– [http://emporiododireito.com.br/julgamento-dos-votos-do-impeachment/]
– acessado em 28/04/2016.
[7] O
julgamento dos votos do impeachment – Por Marta de Oliveira Torres– [http://emporiododireito.com.br/julgamento-dos-votos-do-impeachment/]
– acessado em 28/04/2016.
[8] O
julgamento dos votos do impeachment – Por Marta de Oliveira Torres– [http://emporiododireito.com.br/julgamento-dos-votos-do-impeachment/]
– acessado em 28/04/2016."
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