segunda-feira, 2 de maio de 2016

DO LAR E BUNDA OU FEMINISTA E VAGABUNDA: SIM, NÃO OU ABSTENÇÃO?



Nós mulheres não somos objetos para ser categorizados por tipo e separadas em compartimentos, como se a vida fosse um supermercado de um alienado como proprietário, que não entende nada da alma humana e ignorantemente esbraveja com orgulho “essa sessão é das putas, essa fileira é das castas, o senhor escolhe , depois passa ali no caixa o código de barras e leva seu produto para casa”.
Assim tem sido permitido ao longo da história do gênero feminino nos últimos milênios.  Todavia, primeiro que essa história é mal contada, afinal, sempre houve mulheres dissidentes, que o digam as tachadas como “bruxas” na idade medieval, justo na época de maior esquizofrenia machista da história europeia, descrita com profunda semelhança com o atual momento político brasileiro. Segundo, cada mulher é fruto de sua época, mas também é uma centelha criadora. O problema é que desde o primeiro respirar nesse planeta deparamos-nos com condicionantes, que nos moldam em repetições de figuras estigmatizadas, então nos obrigam a escolher. Toda escolha gera uma perda. Mas quem criou esse “ou isso ou aquilo” e para quem nós mulheres temos que responder “ser ou não ser”?
Essa classificação das coisas começou lá desde o que se tem como “filosofia humanista”. Precisava-se de uma mulher para ter como propriedade, reproduzir e transmitir a propriedade dos militares e proprietários escravocratas, precisava saber quem era o filho do proprietário, quem mandaria na propriedade, propriedade, propriedade, coisa, coisa. As que não se “coisificaram” por vontade própria ou violência não eram “dignas de ciúmes”, mas somente de ser objeto de satisfação de desejo sexual. Então foram criados retratos-colagens desses padrões femininos: uma é a Medeia, feiticeira, revoltada, rebelde e traiçoeira que mata os próprios filhos por ciúmes, a outra é a Lady Macbeth, instigadora do marido para cometer assassinatos crueis a fim de ser coroado rei. Semelhança? Ambas insanas.
Pior do que os programas de televisão ou uma revista popular entre esses “donos de supermercados” fazerem essa classificação dos “produtos femininos” é quando uma mulher a reproduz. Frases da personagem “Bernarda Alba”, de Gabriel Garcia Lorca, já foram reiteradamente repetidas não por atrizes, mas por mulheres alienadas pelos discursos machistas que nos cercam. “Linha e agulha para as mulheres, chicote e mula para o varão. É como vive quem tem posses”, “se queres chorar, vais para debaixo da cama, Madalena!”, “não lhes deve dirigir perguntas. E quando te casares, muito menos. Fala se ele falar e olha-o quando te olhar. Assim não terás desgosto”.
Ao esquartejar a alma feminina, a humanidade não dimensionava o quanto iria gradativamente perder ao longo dos séculos, seja em conhecimentos (em especial a alquimia das plantas), seja em afeto. Hoje temos uma massa de mulheres “ou”. Uma mulher inteira, do mar, do lar, do ar, do gozar, do trabalhar, do educar, do sensualizar, do semear só é possível quando se liberta de exigências de ser ou bela e recatada ou feminista revoltada, ou puta ou do lar, ou do corpo escultural ou da formosura de excesso de curvas ou da ausência destas.
Nossa mente é uma linha de medição de um telescópio: se afastarmos, somos equivalente a no máximo um pontinho de luz; se aproximarmos, descobrimos um espinho no pé; se focarmos ainda mais, somos um átomo e suas infinitas divisões. Cada corpo é um universo para ser descoberto, cada existência, uma história de uma civilização a ser construída. Se nos aventurarmos a nos descobrir e a ajudar as(os) demais nessa descoberta, se nos concentrarmos em nos desvencilhar de cada um desses padrões estigmatizadores, em avançar nas conquistas das mulheres antecessoras que por vezes sacrificaram até a própria vida em defesa dessa possibilidade de ser livre desses estigmas, já ocuparemos tempo demais em nossa existência. Chegaremos à liberdade de não termos mais que proferir votos de “ou”?


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