A vida é feita de escolhas, toda escolha gera uma perda, não
dá para ser tudo ao mesmo tempo, não é possível enganar a todos todo o tempo,
pois as escolhas se revelam. Essas premissas já foram ditas e repetidas, são de
domínio público. Embora alguns finjam esquecer, a vida se encarrega de
lembrá-las algum dia. Então, vem o controle social sobre as escolhas alheias. Se
antes as vizinhas ficavam na janela, ou colocavam uma cadeira na porta para
observar o movimento, agora, de dentro de suas casas, é só “gulgar” para
encontrar, através de signos sociais (nome completo, CPF, estado civil,
residência etc) qual a personagem que vem sendo revelada através de campanhas
publicitárias, feitas individualmente, com ferramentas virtuais (publicações
com textos, vídeos e fotografias), ou através de profissionais contratados para
orientar quais as escolhas devem serem mostradas, a fim de guiar a opinião
social sobre a vida de alguém. A preocupação é “o que vão pensar”. Mas não adianta
criar um virtual para substituir um real, pois ninguém foge de si mesmo,
ninguém foge.
Por mais que se associe a coca-cola a cenas de alegria
familiar, pessoas viciadas nessa substância continuarão adoecendo. Mesmo que haja
várias músicas incentivando o consumo exacerbado de álcool entre os
adolescentes, algum dia eles irão perceber que precisarão moderar para poder sobreviver.
Não importa o quanto de publicidade se gaste nas campanhas políticas: se cavar
um pouquinho, todo mundo acaba encontrando quem patrocinou aquelas pessoas que
se dizem representantes de um povo e o que esse financiador ganhou em troca.
Luiz Gonzaga, que era um “bom ouvidor”, já cantarolava que “todo
mundo quer saber / O que é o xamego / Ninguém sabe se ele é branco / Se é
mulato ou negro / Quem não sabe o que é xamego / Pede pra vovó / Que já tem
setenta anos / E ainda quer xodó”. Todavia, as pessoas de setenta anos que
sustentaram posturas libertárias na época da ditadura não contam histórias sobre
um época de xamego. Falam sobre prisões, torturas, fugas para outros países ou
Estados para poderem manifestar seus pensamentos, pensamentos estes contrários
às molduras criadas pelos conservadores da época.
A questão paradigmática shakesperiana atual não é mais “ser
ou não ser”, mas “mostrar ou não mostrar”. Escondo aqui para enganar ali para
conseguir acolá e me safar do lado de lá. O que importa não mais é o mérito da
questão, mas a atenção que se consegue a esta, por mais efêmera que seja. E
então são criados padrões e cada um segue cegamente quem se associar ao padrão escolhido
e que foi mais fácil se adaptar, quase como se a vida fosse uma configuração de
uma página na internet com alguns modelos: selecionar o simples ou o mais
personalizado é uma escolha de um rótulo previamente programado e que será
mostrado para vários como sendo seu (embora o formato tenha sido projetado por
outra pessoa). A maioria não quer “perder tempo” criando “seu próprio formato”
livremente dos já apresentados. Quer curtidas em suas páginas! Compartilhamento
de suas mentiras! (Mesmo sabendo ser mentiras, o ego infla com a conquista da
atenção, da mesma forma que dói com singelas críticas, especialmente se
relacionadas justamente ao número de “aprovadores” sociais).
O problema nem é esse. Pior do que a “preguiça de ser” é a
sequencial limitação do Congresso Nacional ao poder de criação e liberdade das
pessoas que não se enquadram nessas “configurações” por eles ofertadas. Pior é
termos uma geração de exímios repetidores de imbecilidades, de controladores da
vida alheia, de sádicos preocupados em tolher as tão difíceis liberdades
criativas. “Mais pior ainda” é termos o investimento público destinado a
doutrinas de moralidades, ao invés de pesquisas sobre como podemos extrair mais
felicidade do mundo e de nossa limitada existência na atual forma corpórea.
Só nos resta ser o que somos e arcar com as consequências
disto. Escolher lutar para poder escolher é já uma escolha. Afinal, o ladrão,
quando não leva o sorriso, leva uma coisa a menos.
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