Cinderela nasceu no bairro da Mata Escura e cresceu dançando ao som de
pássaros, motos e tiros, musicados ou não. Sua infância lúdica se transformou
quando, estuprada por seu padrasto, aos 13 anos já tinha responsabilidade de
dar de comer a sua cria. Passou a juventude a acordar de madrugada e pegar dois
ônibus lotados para ir ao trabalho, a encerar o chão e limpar os banheiros em
faxinas de várias rainhas más nos bairros nobres da cidade.
Após ofertar suas flores a Iemanjá e suplicar que a salve dessa vida,
Cinderela escuta sua patroa comentar que o Príncipe, ops, Prefeito, estaria a
dar uma grande festa na cidade para escolher sua noiva, porém só as autoridades
estavam convidadas ao camarote da praça. Eis que aparece uma Promotora, uma
Juíza e uma Defensora, ops, as três fadas madrinhas, e, ao perceberem Cinderela
em lágrimas, resolvem lhe fazer essa caridade: com um “abadá” sobrando, além de
doá-lo à Cinderela, emprestam-lhe maquiagem, salto agulha, short da marca com
nome de combustível, pagam o salão para mechas e escova progressiva no cabelo,
transformando Cinderela na mais encantadora diva da festa.
Deslumbrada com o "all inclusive", Cinderela se esbalda. Dança
com seu rebolado latino regada a misturas de uísque, energéticos, champanhes. É
quando subitamente o Príncipe a convida para dançar arrocha e se encanta pela
que parecia ser a próxima primeira dama da nação soteropolitana. Todavia, o LSD
tomado inadvertidamente dispara a síndrome do pânico e, vendo alucinações de
ratos e abóboras, Cinderela sai correndo, deixando a sandália gladiadora da
patroa para trás. Era meia noite.