domingo, 6 de março de 2016

VIOLÊNCIA E INSTITUIÇÕES PÚBLICAS: UM TAPINHA NÃO DÓI?


POLICIAL: Depende. Se for um tapinha meu, aliás, tapinha não, que sou fortinho, tapão, não, não dói. Independente de quem seja, homem, mulher, autoridade ou do povo. É o uso necessário da força, afinal, o Estado sou eu. Aliás, se for pobre ou manifestante, aí que não dói mesmo, porque já estão acostumados. Mas se triscarem em mim, dói e eu revido. Aliás, não precisa nem triscar, só precisa olhar pra mim torto, ou chamar de policialzinho, imbecil, qualquer coisa, afinal, o Estado sou eu. Pode anotar meu nome e procurar seus direitos. Se quiser eu soletro: E-S-T-A-D-O. Não vai dar em nada mesmo.

PROMOTOR DE JUSTIÇA: Depende. O que diz o inquérito? Posso responder quando eu voltar dos meus 72 dias de curtição (60 dias de férias + 12 de folga) na casa de praia ou na Europa, pagas com meu 14º e 15º salários + auxílio moradia + adicional eleitoral? Era pra eu fiscalizar a polícia, n’era?! Depois do recesso forense, pode ser?

JUÍZA: Depende. Qual o parecer do Ministério Público? Aliás, hoje vou decidir por mim mesma! Deixa-me julgar logo esse processo, que acabei de voltar de minhas férias, recebi meu contracheque com vários adicionais e hoje estou inspirada: SENTENÇA – Vistos, etc. Um tapinha não dói. Nem um tapa, nem um espancamento, nem um tiro, nem uma chacina. É legítima defesa. Os acusados lançaram mão do meio necessário para repelir as injustas agressões dos ofendidos. É instinto natural de sobrevivência. Pobre deveria ter desenvolvido “couro de rato” pra se proteger. Está vendo? Não evoluiu pra se adaptar. Darwin tinha razão. Tem que morrer mesmo, é seleção natural, meu bem, não estudou isso na escola? [1]

DEFENSORA PÚBLICA: Depende. Se for em mim e eu tiver levado porque estava defendendo alguém, um tapinha não dói. O que dói é a impunidade. Mas se for num assistido da Defensoria, dói e vou lutar com os meios legais pra fazer sua defesa, mesmo sabendo que ao final vou perder a ação. Afinal, fui contratada pra isso, defender quem mereça ou não, e, mesmo minha equipe sendo em número insignificante e o tempo todo tenhamos nossas supostas prerrogativas e autonomia desrespeitadas, o povo precisa pensar que eu existo, senão se revolta.[2]

GOVERNADOR: Depende. Se for de um jogador de futebol em um jogo, faz parte. Se for da polícia também. Pra mim é tudo a mesma coisa, somos todos do mesmo time, da mesma empresa, ou será que ninguém percebeu isso? Peraí que vou ali, está no intervalo comercial da novela e o patrãozinho patrocinador quer que eu veja o novo galã escolhido pra promover suas marcas. E hoje é dia de jogo Bahia x Vitória. Êta Bavi animado!



[1] Para ilustrar: em 24 de julho de 2015, em Salvador-BA, primeira capital do Brasil, foi proferida sentença no Proc. nº 0314066-69.2015.8.05.0001 pela juíza substituta, absolvendo polícias que chacinaram adolescentes no bairro do Cabula, periferia de Salvador, sob o argumento de que agiram em legítima defesa.
[2] Para ilustrar 2: em 18 de julho de 2015, em Salvador-BA, primeira capital do Brasil, policiais militares bateram e prenderam uma Defensora Pública que foi argui-los sobre o espancamento público e prisão ilegal de vendedores ambulantes na praia do Porto da Barra, em pleno sábado à luz do dia. Nenhuma resposta foi dada até o momento, por nenhuma instituição. A Defensora responde por crime de desacato, porque, após a violência policial, teria os chamado de imbecis.

A LÍNGUA E O PROCESSO

A LÍNGUA E O PROCESSO 1

    Eu não tinha ideia dessa paranoica epopeia de desvendar as modificações nas normas da língua portuguesa e do processo brasileiro. Várias palavras e processualistas estão agora sem acento, por isso, de pé eu viajo nessas leis. Heroicas foram as pessoas que se anteciparam e estudaram as regras antes de suas estreias. Vendo esse deus nos acuda, reconheço-as como verdadeiros(as) heróis/heroínas mesmo, super-homens/supermulheres. Por isso, vamos tentar descobrir, por entre os pelos desses animais selvagens, quais as mudanças no jogo entre as pessoas separadas por um hífen, formando dois polos de um processo judicial, o qual, muito menos divertido que o jogo de poloaquático, é feito na mesa e precisa de muitos papéis e pessoas de profunda boa-fé para que dê certo.
    Os que creem num milagre e que o processo irá subitamente correr em tempo razoável, prevejo isto ser uma utopia. Há algumas pessoas super-resistentes a mudanças, mesmo que estas sejam hiperproveitosas. Além disso, o problema não é de falta de lei, tampouco uma lei resolve: é de estrutura e educação, faltando ambas em nosso país acostumado à desordem e antiprogresso.
No dia a dia do novo código, o juiz vai informar que não pôde julgar na ordem cronológica os processos, por falta de servidores para trabalhar na Vara. Ele vai pôr os processos para julgar na ordem que ele quiser. Possivelmente, na ordem da quantidade de vezes que o advogado da parte vai mendigar uma decisão. A não ser que ele preferencialmente seja superlegal, coloque na ordem cronológica os julgamentos e só abra exceção por decisão fundamentada. Então o advogado para de ser responsável pelo atraso dos processos no Judiciário e não precisará mais aguentar reclamação de cliente, e todos estarão preferencialmente mais tranquilos.
    Trabalhar com processo e resolver os problemas só poderá ser tão gostoso como deliciar-se com uma pera quando não for baseado na esperança de bondade alheia, porque, como diz “a maçã” de Raul, “se esse amor ficar entre nós dois, vai ser tão pobre amor, vai se gastar...”. É que uma regra somente “preferencial” só poderá ser cumprida quando os presidentes do Tribunais preferencialmente atenciosos com os servidores entenderem que precisam gastar o orçamento público com menos gratificações e mais contratações de pessoas comprometidas. E, preferencialmente, as pessoas denunciem os maus servidores e as corregedorias preferencialmente os afastem.
    Abençoo o legislador que destacou a responsabilidade dos que agem com má-fé processual, aqueles que veem vantagem em mentir e produzir provas para protelar a resolução de um litígio. Se antes havia dúvidas, agora não mais: estes têm o dever de pagar multa e indenizar a outra parte pelos prejuízos sofridos se arguem mentiras. Aos advogados, que detêm o poder de produzir as provas e agir em nome de um cliente, convêm explicar às partes nervosas que se acalmem e procurem uma conciliação. A qualquer tempo. É dizer para o cliente que “amor só dura em liberdade, o ciúme é só vaidade. Sofro, mas eu vou te libertar” e tentar ser pragmático. Sem mais blá-blá-blá com hífen separatório.