POLICIAL: Depende. Se for
um tapinha meu, aliás, tapinha não, que sou fortinho, tapão, não, não dói. Independente
de quem seja, homem, mulher, autoridade ou do povo. É o uso necessário da
força, afinal, o Estado sou eu. Aliás, se for pobre ou manifestante, aí que não
dói mesmo, porque já estão acostumados. Mas se triscarem em mim, dói e eu
revido. Aliás, não precisa nem triscar, só precisa olhar pra mim torto, ou
chamar de policialzinho, imbecil, qualquer coisa, afinal, o Estado sou eu. Pode
anotar meu nome e procurar seus direitos. Se quiser eu soletro: E-S-T-A-D-O.
Não vai dar em nada mesmo.
PROMOTOR DE JUSTIÇA:
Depende. O que diz o inquérito? Posso responder quando eu voltar dos meus 72
dias de curtição (60 dias de férias + 12 de folga) na casa de praia ou na
Europa, pagas com meu 14º e 15º salários + auxílio moradia + adicional
eleitoral? Era pra eu fiscalizar a polícia, n’era?! Depois do recesso forense,
pode ser?
JUÍZA: Depende.
Qual o parecer do Ministério Público? Aliás, hoje vou decidir por mim mesma! Deixa-me
julgar logo esse processo, que acabei de voltar de minhas férias, recebi meu
contracheque com vários adicionais e hoje estou inspirada: SENTENÇA – Vistos,
etc. Um tapinha não dói. Nem um tapa, nem um espancamento, nem um tiro, nem uma
chacina. É legítima defesa. Os acusados lançaram mão do meio necessário para
repelir as injustas agressões dos ofendidos. É instinto natural de
sobrevivência. Pobre deveria ter desenvolvido “couro de rato” pra se proteger.
Está vendo? Não evoluiu pra se adaptar. Darwin tinha razão. Tem que morrer
mesmo, é seleção natural, meu bem, não estudou isso na escola? [1]
DEFENSORA PÚBLICA:
Depende. Se for em mim e eu tiver levado porque estava defendendo alguém, um
tapinha não dói. O que dói é a impunidade. Mas se for num assistido da
Defensoria, dói e vou lutar com os meios legais pra fazer sua defesa, mesmo
sabendo que ao final vou perder a ação. Afinal, fui contratada pra isso,
defender quem mereça ou não, e, mesmo minha equipe sendo em número
insignificante e o tempo todo tenhamos nossas supostas prerrogativas e
autonomia desrespeitadas, o povo precisa pensar que eu existo, senão se
revolta.[2]
GOVERNADOR: Depende. Se
for de um jogador de futebol em um jogo, faz parte. Se for da polícia também.
Pra mim é tudo a mesma coisa, somos todos do mesmo time, da mesma empresa, ou
será que ninguém percebeu isso? Peraí que vou ali, está no intervalo comercial
da novela e o patrãozinho patrocinador quer que eu veja o novo galã escolhido pra
promover suas marcas. E hoje é dia de jogo Bahia x Vitória. Êta Bavi animado!
[1] Para ilustrar: em 24 de julho de
2015, em Salvador-BA, primeira capital do Brasil, foi proferida sentença no
Proc. nº 0314066-69.2015.8.05.0001 pela juíza substituta, absolvendo polícias
que chacinaram adolescentes no bairro do Cabula, periferia de Salvador, sob o
argumento de que agiram em legítima defesa.
[2] Para ilustrar 2: em 18 de julho de
2015, em Salvador-BA, primeira capital do Brasil, policiais militares bateram e
prenderam uma Defensora Pública que foi argui-los sobre o espancamento público
e prisão ilegal de vendedores ambulantes na praia do Porto da Barra, em pleno
sábado à luz do dia. Nenhuma resposta foi dada até o momento, por nenhuma
instituição. A Defensora responde por crime de desacato, porque, após a
violência policial, teria os chamado de imbecis.