Fui
dar entrevista sobre direitos do consumidor e o entrevistador, para “quebrar o
gelo” e emendar a conversa com a matéria anterior sobre o campeonato estadual,
perguntou: “Qual seu time? Bahia ou Vitória?”. “CRB”, respondi. “Sou de
Alagoas”. Mas é mentira, não sou CRB. Foi só para desapontar o entrevistador.
Gosto de futebol, mas não dos patrocinadores dos times. Os mesmos das campanhas
políticas. Afinal, trabalho com direito do consumidor. Por esse mesmo motivo, não
sou nem a favor nem contra o impeachment. Muito pelo contrário.
As
pessoas acordam, tomam seu café ácido cheio de agrotóxico, comem pão feito de
farinha de trigo indigesta, ovo de galinha de granja cheia de antibiótico e
hormônio, açúcar cancerígeno derivado dos latifúndios escravocratas em Estados
miseráveis, sal para aumentar um pouquinho ainda a pressão, queijo feito de
leite de vaca mal tratada, alimentada com ração de cereais transgênicos e
confinada em uma indústria de extração de leite e então continuam seu dia
assistindo às notícias da televisão e lendo sobre política. Depois, já
envenenadas, vem querer saber a opinião umas das outras: “impeachment, qual a
cor de seu time?” Meu time acha que a Constituição Federal de 1988 é uma caixa
de morangos vendida em um supermercado: os objetivos, princípios, direitos e
garantias fundamentais ficam convidativamente destacados por cima, todavia, por
dentro está cheia de morangos contaminados por pesticidas e já podres por
baixo. Essa engrenagem de poder institui uma representatividade que não me
representa. Não acredito nem em urna eletrônica, basta pensar um pouquinho:
onde há urna eletrônica no mundo? Como está esse povo? Rico? Próspero? Feliz? O
que comem essas pessoas?
E
você, tem fome de que?
Essa
semana uma advogada baiana, "correspondente de um grande escritório de
advocacia paulista", disse que seu escritório tem acesso a documentos do
sistema interno de bancos estaduais já fechados há anos, assim os consumidores
teriam como comprovar seu direito às diferenças dos planos econômicos. Disse
que o escritório comprou os dados de um ex-funcionário do banco, que, demitido,
fez cópia do sistema. A pergunta é: ladrão que rouba ladrão ganha cem anos de
perdão? Os dados sigilosos de milhares de consumidores nas mãos de escritórios
de advocacia assim, de boa? Ela ainda pediu para que eu a encaminhasse os
coitados dos consumidores assistidos pela Defensoria que, sem lenço nem
documento, não conseguem comprovar os valores de suas cadernetas de poupança
que tinham há 20 anos. A advogada só faltou me oferecer propina, aliás, propina
não, apenas uma “gratificação pela colaboração em encaminhar clientes para ela”.
Isso em sala de audiência, sorridente, na frente de juiz, servidora, estudante
de Direito, achando que estava me contando uma vantagem. Algo muito natural
nesse país. Era como se ela trabalhasse para um escritório de advocacia
"esperto". País dos que dão um jeitinho.
Confesso
que, quando a advogada saiu, eu e o juiz não sabíamos o que fazer. Ela
realmente achava que não era nada demais o escritório dela ter acesso aos dados
dos bancos. Isso "facilitava" a defesa de direitos dos consumidores.
Para ela, os fins justificavam os meios. Se não for desse jeito, não há como o
consumidor comprovar seu direito. Tudo difícil de entender nesse país.
O
que me assustou foi a naturalidade. Se a pessoa tem uma visão utilitarista da
vida, dá até para ter inveja de não ser desse escritório que ficará milionário
com essas ações, já que mais ninguém tem acesso a esses documentos. Brasil é
para espertos.
Isso
é direito do consumidor. É sistema bancário, financeiro. E se fosse o sistema
que controla o poder econômico do país inteiro? E se fosse a organização
administrativa de todo um país continental como o Brasil? Quem tem a senha
desse sistema?
Live
and let die. Welcome to the jungle.